A Escravidão, a Escritura e a Hermenêutica

 A Escravidão, a Escritura e a Hermenêutica


“Se essa fosse uma questão a ser determinada por minha simpatia pessoal, preferência ou sentimento, eu seria tão rápido quanto outros homens a condenar a instituição do trabalho escravo, por que todos os meus preceitos educacionais, hábitos e posição social estão em completa oposição a escravidão. Entretanto, como cristão, eu sou compelido a submeter meu intelecto fraco e pecador à autoridade do Todo Poderoso. Por que apenas assim posso estar seguro das minhas conclusões” – John Henry Hopkins

John Henry Hopkins (1792-1868) foi um bispo da primeira Igreja Episcopal dos Estados Unidos. Irlandês de nascimento, esse imigrante entrou no ministério jovem e posteriormente acabou fazendo parte do polêmico posicionamento dos cristãos norte americanos em relação a instituição da escravidão. Em 1861 ele publicou o livro A Scriptural, Ecclesiastical, and Historical View of Slavery no qual defendeu que a escravatura era parte da organização da humanidade, fazia parte da igreja e (pasmem!) parte das recomendações das escrituras.

Para Hopkins, as escrituras como um todo defendiam o direito dos donos de escravos em ter escravos. Com exemplos de Gênesis a Apocalipse, Hopkins tentou demonstrar que para os cristãos não existia outra opção senão adotar a escravatura como parte da sociedade autorizada por Deus. Por exemplo, Hopkins afirma que Abraão teve escravos e não foi condenado por isso;  a lei previa o direito a se ter escravos e os judeus sempre tiveram escravos; Jesus nada disse sobre o assunto, e como um agitador social, jamais mencionou qualquer palavra que sugerisse que a instituição da escravatura fosse um defeito social; Paulo regulamenta a escravatura em suas cartas sem jamais sugerir que tal instituição deveria ser abolida. Hopkins também afirma que todas as pessoas são criadas por Deus, brancos e negros são descendentes de Noé, mas acredita que socialmente eles não são iguais, mas exercem funções diferentes: Deus estabeleceu essa distinção e a abençoou nas escrituras.  Aliás, depois de analisar as evidências da escritura em defesa da escravatura, Hopkins conclui:

“As evidências [das escrituras] terminam aqui, provando claramente que a instituição da escravatura não foi abolida pelo Evangelho.” – John Hopkins, A Scriptural, Ecclesiastical, and Historical View of Slavery, p.15

Pouco à frente, Hopkins lida com as questões sociais e a pressão da “mente moderna” em defesa do fim da instituição da escravatura, e novamente confronta seu leitor com as evidências claras das escrituras em defesa e regulamentação da escravidão. Tendo feito isso, ele ataca seus oponentes:

“Quem somos nós, para presumir em nossa sabedoria moderna que rejeitar a Palavra de Deus, zombar do exemplo do nosso Redentor, tratar com desrespeito a pregação e o ensino dos apóstolos e inventar para nós mesmos uma “lei superior” que aquela apresentada nas sagradas escrituras que nos foi dada como lâmpada para nossos pés e luz para o nosso caminho na escuridão de um mundo imundo e pecaminoso?” – John Hopkins, A Scriptural, Ecclesiastical, and Historical View of Slavery, p.16.

Para Hopkins (como para muitos cristãos desse período) a idéia de abolir a escravatura era uma forma de oposição da verdade revelada de Deus. Não é a escritura suficientemente clara ao dizer a escravatura é parte da própria fibra da sociedade? Não é a escritura suficientemente clara ao demonstrar que Deus não apenas abençoa como recomenda a escravatura? Para Hopkins a resposta a essas perguntas é um sonoro SIM; a autoridade e veracidade das escrituras eram suficientes para definir a questão: Se você quiser ser fiel ao Senhor, você tem que se submeter à autoridade de Deus revelada na escritura e apoiar a escravatura!

 

Hermenêutica Escravicionista

Caso não tenha ficado evidente, Hopkins se utiliza de alguns princípios teológicos e hermenêuticos muito claros em defesa de sua visão da escravatura:

Inspiração das Escrituras:

Frequentemente Hopkins faz alusão ao texto ou ao autor inspirado, de modo que fica evidente que ele acredita que a fonte última da escritura não é o autor humano, mas o próprio Deus. Por isso, ele sente-se à vontade para conclamar seus leitores às escrituras;

Autoridade da Escritura:

Para Hopkins, as escrituras são inspiradas por Deus, e portanto refletem a vontade final de Deus sobre os mais diferentes assuntos que intentou legislar, como no caso da escravatura; E como o direito a se ter escravos está presente nas narrativas e na lei do Antigo Testamento, e que não foi abolida pelo Senhor, mas sancionada em suas parábolas, bem como pelos apóstolos que o sucederam, Hopkins conclui que a autoridade das escrituras é final no assunto;

 

Veracidade da Escritura:

A partir do fato que as escrituras se originam no próprio Deus, Hopkins defende que os ensinos apresentados nas escrituras são verdadeiros por que refletem a vontade e o caráter do próprio Deus. Portanto, seja Deus verdadeiro e falso todos aqueles que se opõe ao claro ensino das escrituras;

 

A Visão do Todo:

De Gênesis a Apocalipse Deus manifesta sua aprovação à instituição da escravatura: Foi Noé quem estabeleceu a escravatura com aprovação divina (Gen 9:25-27); Abraão teve muitos escravos (Gen 14:14), comprou outros (Gen 17:12) e teve escravas (Gen 16:9); Os Dez Mandamentos incluem os escravos como evidência suprema da sanção divina da escravatura e da manifestação de sua lei moral (Exo 20:17); A sabedoria divina é também manifesta na legislação de Israel que em diversas ocasiões legisla favoravelmente à escravatura (Exo 21:2-4; 5-6); O próprio tratamento punitivo dos escravos foi abençoado por Deus (Exo 21:20-21, 26-27), que deveriam ser considerados como propriedade (Lev 25:10). Digno de nota é que os profetas nunca acusaram Israel de erro ao manterem sua postura escravatura; dentre os inúmeros pecados cometidos pela nação de Israel, em nenhuma ocasião, a escravatura foi mencionada entre eles.

Em outras palavras, do ponto de vista dos profetas, a escravatura não era um pecado, nem mesmo um problema social. Aliás, o próprio Cristo nada falou sobre o assunto, apesar de em sua região a escravatura ser normativa. Entretanto, sabemos que Ele veio para cumprir a Lei e os profetas, e portanto, ele aprovou a escravatura prevista na legislação de Israel. Isso fica evidente nas parábolas que conta. Esse era o mesmo sentimento dos apóstolos e dos judeus convertidos ao cristianismo (Atos 21:20); Digno de nota os preceitos e a própria conduta de Paulo sobre o assunto, que em diversas vezes sanciona o direito dos cristãos em ter escravos e os ensina sobre como deve tratá-los (Col 3:22; 4:1; Efe 6:5-9; 1Tim 6:1-8). Pedro ainda sugere que o escravo aceite ser fustigado por Seu senhor, por que é isso que ele aprende de Cristo (1 Ped 2:18-21).

Ora, se a escritura como um todo nada diz contra a escravatura, e ainda, repetidas vezes a sanciona e abençoa, que direito tem os abolicionistas em rejeitar a autoridade e veracidade de Deus claramente expressa nas inspiradas escrituras? Aqueles que negam essa verdade expressa por toda escritura, rejeitam tanto a escritura, como o Deus que a inspirou;

 

Literalidade:

Todos os textos analisados são interpretados de modo literal, e como um todo, a escritura inspirada demonstra literalmente que a escravatura era abençoada por Deus, seja na lei de Israel ou no ensino dos apóstolos;

Prioridade da Escritura aos Ideais Contemporâneos: Não se pode comparar a excelsitude e veracidade da escritura com o frívolo raciocínio dos homens caídos; as inovações dos homens podem parecer inteligentes e até mesmo elegantes, mas não superam a sabedoria do Criador de todas as coisas; Há um grande mal que assola a igreja e a aflige: A comunidade cristã prefere a mentira dos homens do que a verdade de Deus.

É por isso que Hopkins, e tantos outros, poderiam dizer de consciência tranquila que sua defesa da escravatura era autorizada pela escritura. E talvez, Hopkins não consiga mais convencer os cristãos dos nossos dias a voltar ao que ele considerava como ideal divino, a escravatura, mas espero seriamente que meus leitores entendam que o tipo de argumentação que ele usa é extremamente perigosa. Em outros assuntos, são esses os mesmos princípios hermenêuticos e teológicos que muitos usam para defender suas teorias sobre governo, política, ministério, casamento e tantos outros assuntos.

 

Hermenêutica [In]Consistente

O grande perigo desse tipo de hermenêutica está na sua valorização do texto da escritura: O argumento todo é construído sobre a percepção da inspiração, autoridade, veracidade e da mensagem do todo da escritura. O cuidado em apresentar textos que favoreçam suas conclusões demonstra que eles tem a escritura em alta honra, mas mesmo usando-a desse modo, eles defendem algo que as escrituras não defende.  Fazendo isso, ele fazem com que o texto da escritura seja sobreposto à sua mensagem; a letra ao espírito; as palavras ao princípio. Essa super valorização da interpretação literalista da escritura em detrimento de sua mensagem, é onde reside o grande perigo dessa proposta hermenêutica. Ela soa tão ortodoxa que é capaz de convencer cristãos apaixonados pelas escritura a defenderem conclusões teológicas em afronta à própria escritura. Mas, fora esse grande perigo, existem ainda alguns problemas sérios nessa proposta hermenêutica:

- O primeiro problema da hermenêutica escravicionista é a incapacidade em se distinguir entre aquilo que é descrito pela escritura, e aquilo que é prescrito por ela.

Sem dúvida todos os textos citados por eles se encontram nas escrituras, entretanto, em nenhum momento se considerou a possibilidade de que tais textos não fossem prescritivos para a comunidade cristã. É fato que as escrituras falam sobre pessoas que tem escravos, e as ensina a tratá-las de modo adequado, mas isso não significa que Deus tenha a escravatura como modelo social atemporal, ou como uma necessidade social para diferentes eras. Não é por que as escrituras contam as histórias de fracasso dos nossos heróis (cf. Abraão, Davi, Moisés, et al) que nós somos convidados a falhar com eles. Descrever não é prescrever.

- O segundo problema grande da hermenêutica escravicionista encontra-se no fato de que eles equipararam suas conclusões teológicas com a verdade de Deus.

Para eles, quem se opõe às suas conclusões teológicas, objeta ao próprio Senhor. Por não entenderem a distância entre a verdade do texto da escritura e a sua interpretação da mesma, esses cristãos “conservadores” atribuem ao Senhor sua opiniões sobre as ela, de tal modo que aqueles que divergem de suas interpretações ou de suas conclusões, na verdade discordam de Deus, violam a escritura e negam a inerrância. Para eles, ser abolicionista é negar a inspiração.

- O terceiro problema da hermenêutica escravicionista está no fato de que eles acreditam que a revelação divina aconteceu no vácuo.

Não existe contexto histórico, não existem razões sociais, não existem diferentes dimensões no texto da escritura. Para eles, a escritura é um livro texto para ser sistematizado de acordo com suas próprias doutrinas [mesmo quando o fazem de modo piedoso]. E eles isso fazem, utilizando uma percepção supra-cultural da escritura, utilizando inúmeros textos prova que demonstrem a validade de suas idéias: “Como alguém poderia, com as escrituras na mão, dizer que Deus não aprova a instituição do trabalho escravo, quando as escrituras demonstram que Deus a aprova?” Sem qualquer atenção ao contexto histórico, esses textos foram agrupados para defender o que a escritura jamais prescreveu.

- O quarto problema da hermenêutica escravicionista está no fato de que eles entendem a escritura de modo estático. 

Não apenas a escritura não tem profundidade cultural, como ela mesma é incapaz de adaptar-se a diferentes culturas. A mensagem da escritura pode apenas ser fielmente representada se for lida e reproduzida literalmente, sem qualquer preocupação com os elementos culturais presentes no texto.

A escritura é simples e só será lida de modo apropriado se sua transposição conceitual do passado para o presente for realizada sem qualquer reflexão cultural, seja dos elementos contidos no texto, ou no contexto onde se aplica seus ensinos. A única reflexão possível é a teológica, do ponto de vista da sistemática, que organiza textos provas como evidência de uma teologia bíblica em defesa da escravidão. Esse princípio hermenêutico é nocivo para a teologia cristã. Larry Morrison, após investigar uma série de artigos de jornal do período das controvérsias escravicionistas, demonstra exatamente isso:

Defensores da escravatura explicitamente argumentaram que uma vez que Deus reconheceu a escravatura na Sagrada Escritura, então, por definição, a ela não poderia ser imoral. O apelo sempre foi a leitura literal das Escrituras e a autoridade da Bíblia; o objetivo era sempre a descobrir sanções para a escravidão e, assim, justificar a sua própria prática e instituição da escravidão.

Tais argumentos não eram uma aberração; eles eram consistentes com os pontos de vista de uma sociedade que foi convencida por experiência pessoal e necessidade psicológica da legitimidade da escravatura. A defesa bíblica da escravatura foi, assim, uma conseqüência natural dos valores dessa sociedade. – Larry Morrison, Religious Defense of American Slavery Before 1830, p.29.

Em outras palavras, ao ignorar os elementos culturais da própria escritura, eles defenderam os valores tradicionais de sua própria cultura usando as escrituras por meio de textos prova. A falta de reflexão cultural, seja aquela presente no texto, ou aquela presente onde se pretende aplicar o texto da escritura, foi nocivo tanto para a interpretação do texto, como para sua aplicação e os resultados de tal exercício extremamente vergonhoso para a comunidade cristã.

- O quinto problema da hermenêutica escravicionista é sua crença no mito da visão do todo.

A não ser que o proponente de fato conheça intimamente o todo das escrituras em todas as suas partes, ou trate-se de um assunto restrito a pouquíssimos versos, a idéia de que se conhece o todo da escritura sobre determinado assunto é normalmente equivocada. Ao afirmarem possuir uma clara visão do todo, os escravicionistas queriam dizer que sua teologia continha versos das escrituras de capa-a-capa. De modo similar, alguns usavam a expressão “visão do todo da escritura,” quando na verdade queriam apenas descrever suas conclusões teológicas: “Diante do todo da escritura que eu conheço, organizei e signifiquei.” Argumentar desse ponto de vista é perigoso para a aplicação das escrituras no nosso contexto.  Fazer teologia é mais do que citar versos prova, mas é pensar com as escrituras nas mãos.

Questões para Reflexão

Defender a necessidade de uma hermenêutica consistente é bem mais fácil do que ser consiste com sua hermenêutica. Interpretar as escrituras é uma arte e uma ciência que exige prática, pois como toda habilidade, se desenvolve com tempo, persistência, dedicação e muitos equívocos no processo. Por isso, minha intenção com esse texto é provocar meus leitores à reflexão dos valores hermenêuticos que utilizam ao interpretarem as escrituras, especialmente em função de que o método hermenêutico usado pelos escravicionistas é muito parecido com aquele usado por outros conservadores dos nossos dias. Ou seja, lembre-se que:

Nem todo argumento que nasce de uma visão correta da escritura é correto:

Defender a inspiração, autoridade e veracidade das escrituras não é garantia de que a interpretação dos textos da escritura será fiel ao texto ou mensagem da mesma. Não se define a veracidade hermenêutica pelas preferências teológicas do autor. É por isso que que nem todo argumento que nasce de uma visão incorreta da escritura é incorreto. A validade de um argumento é dependente da sua consistência com a mensagem das escrituras.

Nem todo argumento dependente de uma interpretação literalista defende o texto da escritura: Ser literalista na interpretação não é garantia de representação do texto da escritura. Aliás, nem mesmo a famosa interpretação normal (que valoriza os diferentes gêneros da escritura) garante que a interpretação correta do texto. A bem da verdade, um leitura exclusivamente literalista tende a ser normativa onde a escritura é descritiva. O grande perigo do literalismo é ignorar as dimensões culturais do texto da escritura, especialmente em questões sociais controvertidas.

Exemplo:

E disse Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar; e apareça a porção seca. E assim foi. 10 E chamou Deus à porção seca Terra; e ao ajuntamento das águas chamou Mares. E viu Deus que era bom. 11 E disse Deus: Produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja semente esteja nela sobre a terra. E assim foi. 12 E a terra produziu erva, erva dando semente conforme a sua espécie e árvore frutífera, cuja semente está nela conforme a sua espécie. E viu Deus que era bom. 13E foi a tarde e a manhã: o dia terceiro. (Gn 1.9-13)

Onde se aplica a literalidade desse texto, já que não há possibilidade de equação ao tempo (dias naturais para 24hs), onde se aplica a hermenêutica e qual a metodologia de sua interpretação?

Em uma série de histórias e genealogias altamente condensada, esta seção do livro trata da origem do universo, da origem da ordem nesta terra, da origem da vida, da origem do homem, da origem do pecado, da violência e desordem, e da origem das dife­renças nacionais e lingüísticas


O CRIADOR EM AÇÃO (Gn 1.1-2.3)

Pela brevidade e beleza da composição e do estilo, esta vinheta sobre a criação é inigualável. O Deus-Criador domina a cena. Ele fala e imediatamente se forma a ordem, proporcionando um belo lugar de habitação e de abundantes suprimentos para a criação mais sublime de todas: o homem. Majestade e poder marcam cada sentença.


O Ato Inicial 
(Gn 1.1,2)

Em resposta à pergunta “Quem fez todas as coisas?”, a Bíblia declara ousadamente: Deus... criou (1). Em resposta à pergunta “Quem é anterior e maior que todas as coi­sas?”, com igual ousadia a Bíblia anuncia: No princípio... Deus.' O céu e a terra não são Deus nem deuses; nem é Deus igual à natureza. Deus é o Criador e a natureza é seu trabalho manual.

Embora feita por Deus, a terra não estava pronta para o homem. Ainda estava em desordem, sem forma e vazia (2), e não havia luz. Contudo, havia atividade. O Espíri­to de Deus se movia continuamente sobre a face das águas.

O Dia da Luz e das Trevas (Gn 1.3-5)

Energia é necessidade vital para o hábitat do homem, e luz é energia. Por conse­guinte, a primeira ordem de Deus foi: Haja luz (3). A ênfase na palavra falada de Deus é tão grande que cada dia criativo começa com uma ordem ou expressão da vontade divina.' Em seguida, ocorre a execução da ordem e a declaração culminante: Era bom ou equivalente (e.g., 4,10,18). “Não se trata tempo, mas do poder D’Aquele que cria sob a força daquele que executa”

O Dia das Águas Divididas (Gn 1.6-8)

As águas foram separadas, e acima da terra havia uma expansão (6). A palavra expansão ou firmamento transmite a idéia de solidez.' Contudo, a ênfase na palavra hebraica original raqia não está no material em si, mas no ato de expandir-se ou na condição de estar expandido. Por isso, a palavra “expansão” é muito apropriada.

Em diversos lugares do Antigo Testamento, o ato de estender os céus é proeminente (ver Jó 9.8; 26.7; Sl 104:2; Is 45.12; 51.13; Jr 51.15; Zc 12.1). A evidência de que Deus é o Criador acha-se no ato de estender e não no caráter do que foi formado.' Ao longo do Antigo Testamento, o interesse se centraliza nas relações de Deus com a natureza e o homem. Deus é o Criador, e a partir desta declaração o Antigo Testamento passa a mos­trar que a natureza é uma criatura e uma ferramenta. Do mesmo modo, Deus julga, livra e cuida do homem.

O Dia da Terra e do Mar (Gn 1.9-13)

O terceiro ato de Deus dizia respeito à formação de um futuro hábitat para o homem, que é criatura da terra. O alimento para o homem, a vegetação, cresce na terra. Sob a ordem de Deus, terra e mar se separaram, e forma, vida e beleza enfeitaram a terra. O texto não descreve como estas separações ocorreram, nem há uma lista das forças dinâmicas e naturais envolvidas. Ao invés disso, a relação de um Criador poderoso com uma criatura obediente e flexível é o tempo todo, e claramente, mantida dian­te do leitor.

Dramaticamente, Deus se voltou para a terra agora visível e deu-lhe ordens. Apare­ça a porção seca (11) não era admissão de que as substâncias inorgânicas possuíam o poder inerente de produzir vida.' Muito pelo contrário, a vida em si acha-se, no final das contas, na palavra criativa de Deus e imediatamente surge em resposta à sua ordem.

Então é interessante centralizar essa literalidade ao poder e a força da palavra de um Deus criador e não em diversas interpretações ocasionadas através de contextos de leis orgânicas para seus diversos conceitos.

Nem todo argumento construído com vasto uso das escrituras é correto:

Todo aquele que faz teologia, usa em algum nível o conceito de harmonização. Todos nós, sem exceção, vamos agrupar textos para apresentar determinado conceito teológico como válido. Entretanto, o exercício em si não é garantia da veracidade. Se nós acreditamos que a escritura é de fato inspirada, a verdade nela pode estar presente em apenas um verso, e ela continuará a ser verdadeira. Não é “mais” verdadeira a construção teológica que faz uso vários versos em oposição a outra que tenha um número menor de versos. O que é verdade, é verdade, não importa quantas vezes ela seja mencionada nas escrituras. Teologia não é feita nos moldes da democracia, não se faz teologia com voto da maioria. Teologia não é matemática, não se faz com proporção. Teologia se faz com diligência e com cuidado, para não impor ao texto nossas preferências pessoais.

Nem todo argumento resultado de uma visão apaixonada pela escritura defende a escritura:

Se existia um grupo apaixonado pelas escrituras, ortodoxos, conservadores, que valorizavam a autoridade da escritura e estavam prontos a se sujeitar aos seus ensinos, não importa quão impopulares eles seriam em suas próprias culturas, esses eram os escravicionistas. Entretanto, ainda assim eles estavam equivocados. O apreço do teólogo a escritura não é garantia de uma interpretação adequada da escritura. Mesmo os bons teólogos erram.

Nem todo argumento que nasce da rejeição da “modernidade” dos ensinos contemporâneos é de fato bíblica: 

Rejeitar os ensinos da sociedade dos nossos dias não é a mesma coisa que ensinar as escrituras. Os escravicionistas rejeitam a “invenção” social dos abolicionistas, mas defendiam os elementos culturais descritos na escritura ao invés de defender sua mensagem.

Por: Marcelo Berti

Editado por: Joel Silva

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