O
número da Besta
(Ap
13.16-18)
Introdução
A busca pela identificação da
marca da Besta e pelo significado do seu número sempre foi uma constante na
vida de muitos cristãos. Mas é possível identificar biblicamente esse
personagem e esse número? Além disso, qual seria o verdadeiro número da Besta?
Essa pergunta deve ser feita porque os manuscritos gregos do Novo Testamento
apresentam variantes para esse número: 616; 646 e 665. Assim, qual desses
números seria o número correto? Igualmente, podemos supor que a marca da Besta
tem a ver com os microchips que estão sendo implantados em nossos dias? Essas e
outras perguntas serão respondidas por este artigo.
O livro do Apocalipse
O Livro do Apocalipse é um dos livros da
Bíblia que mais intriga os leitores modernos. Sua linguagem para muitos deles é
simplesmente incognoscível. A dificuldade em compreendê-la não pode ser
ignorada. Isso se dá por que o livro reflete um contexto distante do leitor
moderno de pelo menos dois mil anos. Mas isso não quer dizer que sua leitura
deva ser negligenciada em razão desse distanciamento sociocultural. Além disso,
o livro não parece ter sido escrito em um sistema de criptografia impossível de
se interpretar. Reconhece-se, contudo, que a obra tem suas complexidades e por isso
tem sido uma fonte interminável de debates entre os estudiosos e um paraíso
para os fanáticos. Mas acredita-se que os leitores originais do livro não
teriam sofrido muito para interpretar sua mensagem. A bem da verdade, somos nós
os leitores modernos que temos muita dificuldade em interpretar sua linguagem e
seus símbolos: as muitas interpretações do livro desde o amanhecer da história
cristã são um sinal evidente de que os comentaristas estão divididos quanto ao
melhor modo de abordar a sua mensagem. Mas de um modo geral o livro do
Apocalipse é bem mais simples que os Evangelhos. E isso é bom, pois ele é de
todos os livros do Novo Testamento o que nos dá uma exposição mais detalhada e
extensa sobre a “profecia”.
Assim, antes de iniciarmos
nosso brevíssimo estudo sobre o número da Besta, será necessário considerarmos
rapidamente alguns aspectos estruturais e literários do livro do Apocalipse.
Esse é um passo importante porque nenhum livro do Novo Testamento apresenta
tantos problemas como o livro de Apocalipse. Essas dificuldades dizem respeito
a sua autoria; data; propósito, ambiente histórico; recepção no cânon do Novo
Testamento etc. Não sem razão, esse livro teve seu reconhecimento protelado nas
igrejas do Oriente. A autoria do livro também sempre esteve em disputa. Caio de
Roma, por exemplo, atribuiu o livro ao gnóstico Cerinto, mas Hipólito defendeu
a autoria do apóstolo João. A disputa acerca do milenarismo levou Dionísio de
Alexandria (terceiro século) a negar a paternidade do apóstolo João, embora
tenha aceitado o livro como canônico. Eusébio sugeriu um segundo João como seu
autor. E o Concílio de Laodiceia (360 d.C.) o omitiu, mas foi aceito no
terceiro Concílio de Cartago (397 d.C).
Contexto histórico
O debate em torno do contexto histórico do
livro de Apocalipse é amplo demais para ser abordado aqui. Mas podemos adiantar
que o pano de fundo histórico do autor e leitores originais depende da data que
se supõe que o livro foi escrito. No entanto, podemos pensar em um cenário onde
o Império Romano estava apresentando (ou iria apresentar) algumas dificuldades
para os cristãos. Daí a mensagem de encorajamento e de confiança que o livro
transmite.
Autoria
A autoria do livro tem sido
muito debatida, mas alguns estudiosos estão certos que o livro foi escrito pelo
apóstolo João.
Data
O estabelecimento do contexto
histórico dos leitores originais do livro de Apocalipse depende de fixarmos uma
data para sua escrita. No entanto, não há um acordo entre os estudiosos acerca
de quando o livro foi realmente escrito. Todavia uma tradição cristã da época
de Irineu defende que o livro teria sido escrito na época do imperador
Domiciano.
Destinatários
Os leitores originais são
identificados como habitantes da província romana da Ásia Menor (Apocalipse
1.4).
O estado do texto
Há somente cinco manuscritos
unciais contendo o texto do Apocalipse. São eles: Alef, A, C, P, Q. Desses,
Alef pertence ao quarto século; A e C ao quinto; Q ao oitavo; e P ao nono
século. No entanto, somente Alef, A e Q (B2) estão completos; no manuscrito C
faltam os seguintes versículos: 1.1;3.19-5.14; 7.14-17; 8.5-9.16;10.10-11.3;
14.13-18.2; 19.5-21. E no manuscrito P faltam os versos: 16.12-17.1;
19.21-20.9; 22.6-21. Tanto o manuscrito C como o P são palimpsestos
(manuscritos que foram raspados e reescritos). Erasmo em sua tradução do Novo
Testamento grego enfrentou o problema dos manuscritos incompletos traduzindo do
latim os versos gregos faltosos. Mas ao
agir dessa forma acabou por contribuir para aumentar o número de variantes
textuais do Apocalipse. Segundo A.T. Robertson (citando Moffatt) nos 400
versículos do livro foram contadas mais de 1.600 variantes.
O gênero
O livro de Apocalipse pertence
ao gênero literário conhecido como “apocalíptico”. Esse tipo de literatura se
popularizou no período interbíblico e remete-se a livros como o de Daniel e a
Assunção de Moisés, só para citarmos dois. O termo designa tanto um tipo
distinto de literatura judaica e cristã, como uma espécie de religião
usualmente expressa nessa literatura. Podemos afirmar que a apocalíptica
judaica é produto de uma situação histórica distinta: a prometida salvação
messiânica não aparecia; e em lugar do Reino de Deus, uma sucessão de reis
pagãos governava o povo de Deus. É nesse contexto de opressão e sofrimento que
nasce a literatura apocalíptica. E obras como Jubileus e Apocalipse de Baruque
(entre outras) surgem para provocar a esperança e a fé num futuro glorioso.
A principal característica da
literatura apocalíptica é que ela recorre a uma ou várias visões do passado, do
presente e do futuro (real ou escatológico). Essas visões são normalmente
concedidas ao vidente pelo próprio Deus, mas mediada por um ou vários anjos.
Isso permite que o autor transmita novas profecias, sem temer por determinadas
acusações. Pela mesma razão, a maioria dos apocalipses judaicos apela para os
nomes de grandes profetas como Moisés, Enoque, ou Isaías, não se sabendo quem
de fato os escrevera.
Apocalipse e sua interpretação
O livro do Apocalipse tem sido
interpretado de muitas maneiras desde que veio à luz no final do primeiro
século d.C. Algumas dessas interpretações procuraram a equivalência precisa
entre todas as imagens e figuras que ocorrem no livro com determinados eventos
históricos, resultando em uma longa tradição de interpretação “decodificação”
na qual uma imagem é vista como tendo um significado particular. Nesse caso, o
intérprete assume que se o código é compreendido em sua totalidade, todo o
livro do Apocalipse pode ser processado em uma ou em outra forma e seu
significado interior desnudado. Dessa maneira, são relacionadas algumas imagens
do livro com certos personagens históricos ou determinado evento. É nessa
perspectiva que alguns intérpretes veem São Francisco como o anjo com o selo
vivo em Apocalipse 7.2, e outros interpretam Apocalipse 9 como sendo uma
descrição de ataques de mísseis balísticos sobre as cidades do mundo. Muitos também leem o Apocalipse acreditando
que ele revela todo o futuro da história, desde os tempos do Novo Testamento
até a consumação final. Outros acham que o Apocalipse conta a história da
apostasia da Igreja Católica Romana. Mas há também aqueles que não veem no
livro algum valor permanente. Nesse caso, o livro é encarado como um apanhado
de primitivos mitos cristãos sem nenhum significado para os nossos dias. Por
fim, existem aqueles que buscam descobrir no livro de Apocalipse certos
princípios sobre o modo como Deus lida com os homens ao longo dos séculos.
Com essas breves, mas
necessárias informações em tela, podemos agora partir para a explicação do tema
proposta por este artigo.
Apocalipse 13
Uma leitura originada quando
um copista tentou ajustar o verbo “ἐστάθη” – “pôs-se em pé” com a primeira
pessoa do verbo “εἶδον” – “vi” levou os antigos a pensar que Apocalipse 12.18
funcionava como uma introdução ao capítulo 13. À parte dessa discussão, temos
nesse capítulo o anúncio da manifestação de duas Bestas, uma subindo do mar
(13.1) e outra emergindo da terra (13.11). G.K. Beale e Sean M. McDonough
supõem que a descrição desses dois animais pode ter sido feita tendo em mente
Jó 40 e 41. Esses autores também acreditam que o material desse capítulo é uma
reelaboração criativa de Daniel 7.1-7. Acredita-se também que a unidade do
livro parece ser reforçada pelo uso concentrado do substantivo grego “θηρίον” –
“Besta” (que ocorre 16 vezes).
As duas Bestas descritas nesse
capítulo são agentes por meio dos quais Satanás leva a cabo sua guerra contra
os crentes. A primeira Besta que sai do mar é apresentada como um monstro com
sete cabeças e características combinadas de outros animais. Ela é a encarnação
dos poderes maus e atrai a admiração universal por atos que parecem ser benéficos.
A tarefa da segunda Besta é persuadir as pessoas de que o que elas veem na
primeira Besta é admirável de modo que qualquer desvio ou contracultura deve
ser considerado estranho, antissocial e, portanto, repudiado. Assim, para
alguns autores, em Apocalipse 13 temos um retrato gráfico da operação
ideológica do Estado.
Também tem sido ressaltado que
uma das Bestas está ligada a Daniel 7. Certos detalhes sugerem que ela é uma
combinação das quatro Bestas de Daniel 7: os “dez chifres” (v.1) a ligam à
quarta Besta (Dn 7.7,8); ela é semelhante a um leopardo, como a terceira Besta
(Dn 7.6); seus pés semelhante aos de urso lembram a segunda Besta (Dn 7.5); e
sua boca semelhante à do leão a associa com a primeira Besta (Dn 7.4). Enquanto
Daniel 7 está interessado em quatro reis e reinos sucessivos (Dn 7.17.23),
“Apocalipse 13 concentra-se em um grande reino, que é a culminação de todos os
terrores dos anteriores”.
A Besta e os mitos pagãos
Adela Yarbro Collins
reconheceu haver uma intertextualidade de Apocalipse 13 com Jó e Daniel, mas
ressaltou que a estrutura narrativa desse capítulo apresenta algumas
semelhanças com a narrativa de certos mitos cananeus.[52] Collins lembrou que
“Yam” – “mar” (de onde a primeira Besta emerge) nos mitos cananeus representava
uma divindade que vivia em conflito com Baal, o deus da tempestade e da
fertilidade. Também destacou que no Antigo Testamento o mar às vezes aparece
como um oponente de Deus (Sl 74.13). Assim, a associação da Besta com o mar a
caracteriza como um símbolo mítico do caos e da rebelião.
A marca como paródia
Fulton J. Sheen certa vez
afirmou: “… o diabo é a imitação de Deus”. Mas alguns autores traduziram “o
diabo é o macaco de Deus”. Uma imitação parece ser o que o autor do Apocalipse
tem em mente quando descreve algumas passagens do livro. Por exemplo, o
Apocalipse se refere repetidamente ao nome de Deus escrito na testa dos crentes
(3.12,14; 22.4); e também fala de crentes sendo selados (Ap 7.3). Assim,
podemos supor que a marca da Besta seja uma imitação do selo divino: Deus sela
os seus redimidos (Ap 7.3), mas o Diabo (o macaco, o imitador) marca os seus
adoradores (Ap 13.16). Para Judge a marca da Besta pode ser concebida como a
contrapartida visionária da tradição de um sinal público de compromisso com
Deus.
Estigmas e marcas na
antiguidade
O termo “marca ou sinal” em
Apocalipse 13.16 é o substantivo (neutro) grego χάραγμα. Essa palavra pode
indicar uma marca gravada ou uma imagem esculpida.
Não era difícil encontrar
pessoas com marcas ou tatuagens na antiguidade. As marcas podiam ser feitas por
várias razões. Um devoto de Asclépio (na mitologia Greco-Romana, o deus da
medicina e da cura) podia marcar seu próprio corpo com um sinal de devoção e de
agradecimento. Um seguidor de Cybele e Attis podia ser “selado” com tatuagens.
Um motorista de carruagem bizantina podia ter a testa tatuada com uma
cruz. Os escravos fugitivos podiam ser
marcados na testa como penalidade. Mas os cristãos (coptas/ Egito) também
marcavam seus corpos com tatuagens. Marcas também poderiam ser impressas como
uma exigência. Por exemplo, supõe-se que em algumas cidades da Ásia Menor para
se ter acesso ao tribunal a pessoa deveria receber previamente uma marca. Acredita-se
que na cidade de Éfeso no tempo do imperador Domiciano a entrada ao mercado só
era liberada para aqueles que mostrassem uma marca. Aqueles que fossem fazer
compras ou negociar mercadorias eram obrigados (antes de entrar no mercado) a
oferecer um sacrifício ao imperador. Uma marca em tinta no pulso ou na testa
era feita como sinal de que a obrigação foi cumprida. A pessoa com a marca
teria acesso liberado ao mercado: poderia comprar e vender. Porém, não temos
certeza se tal obrigação realmente existiu. No entanto, sabemos que o culto a
César havia se tornado obrigatório para todo cidadão romano na época de
Domiciano: em cada província havia funcionários e sacerdotes para administrar
esse culto. Segundo William Barclay, a pessoa depois que rendia seu culto anual
ao imperador podia solicitar um certificado como prova disso. O texto do pedido
e do certificado constava o seguinte:
Aos que foram designados para
presidir os sacrifícios, de parte do Inares Aqueo, da localidade do Teoxenis,
junto com seus filhos Aias e Fira, aqueles que vivem na localidade de
Teladelfia. Sempre oferecemos sacrifícios aos deuses e agora, em sua presença e
segundo as normas vigentes, oferecemos sacrifícios e libações e provado as
coisas sagradas e lhes solicitamos que nos deem um certificado no qual conste
que cumprimos.
O texto do certificado dizia:
“nós, os representantes do Imperador, Sereno e Hermas, os vimos oferecer
sacrifício”. Mas esse certificado seria a marca da Besta? Não podemos responder
a essa pergunta. Todavia para alguns autores a adoração da imagem da Besta
(13.14) tem sido associada à promoção do culto imperial romano, que foi
particularmente difundido na área das igrejas mencionadas no Apocalipse.
Christopher Rowland, por exemplo, afirmou que essa adoração não poderia ser
praticada em privado, pois os adoradores receberiam uma marca na mão ou na
testa. Além disso, consequências públicas, sociais e econômicas seriam impostas
aos que se recusassem adorar a Besta: sem o nome da Besta ou o número de seu
nome, torna-se impossível comprar ou vender.
A gematria e o número da Besta
Desde o bispo Vitorino de
Pettau que sofreu martírio sob Diocleciano (303 a.D) a equivalência entre
letras e números tem sido estudada na tentativa de elucidar o enigmático número
666. Muitos autores continuaram acreditando que a gematria forneceria as chaves
para o entendimento do significado do número da Besta.
Mas o que é a gematria? É um
método hermenêutico que analisa cada letra pelo seu equivalente numérico.
Gematria faz parte de uma tradição judaica que se remete à interpretação
talmúdica do Tanach através do Baraita de 32 regras. Não é, no entanto, uma
prática estritamente judaica. Pelo contrário, os babilônios e os gnósticos da
era cristã primitiva usavam o conceito de gematria, bem como os intérpretes de
sonhos na Grécia helenística. Um exemplo de uso não bíblico da gematria é
Sargão II, o rei assírio, que construiu uma muralha próxima a Khorsabad de
16.283 côvados de comprimento para coincidir com o valor numérico de seu nome.
Gershom Scholem, estudioso cabalístico do século 20 supôs que a ascensão da
gematria judaica teria ocorrido do uso de letras gregas na época do Segundo
Templo.
Segundo a hermenêutica da
gematria o número 666 apontava para o imperador romano Nero. O nome “Caesar
Neron” escrito em letras hebraicas (נרון קסר) equivale a 666. No entanto, se o
num sofit (a letra N(ene) no final de uma palavra em hebraico) for omitido (נרו
קסר) temos então o número 616. Além disso, o nome “Nero Caesar” escrito em
latim equivale ao número 616. O problema é que temos mais dois números
sugeridos em manuscritos gregos como sendo o número da Besta, são eles o número
646 e o número 665.
Variantes textuais e o número
da Besta
O crítico textual (e um dos
maiores colecionadores de manuscritos gregos do livro de Apocalipse) H.C.
Hoskier comentou certa vez que o estudo textual deve sempre ser o precursor de
qualquer interpretação. Assim, um passo importante em direção ao entendimento
do número da Besta será verificar a ocorrência e estabilidade dessa leitura nos
manuscritos gregos que chegaram até nós. Ao iniciar essa pesquisa descobrimos
que alguns manuscritos antigos apresentam variantes textuais para esse número.
Por exemplo, no manuscrito C e em alguns manuscritos que Irineu (segundo
século) e Ticônio (quarto século) conheciam, o número da Besta era 616. Nesses
manuscritos em lugar do numeral grego sessenta (ἑξήκοντα) ocorria o numeral dez
(δέκα), assim 616 em lugar de 666. Também na oitava edição do Novum Testamentum
Graece de Tischendorf o número 616 é apresentado em dois manuscritos
minúsculos. No aparato crítico de O Novo Testamento Grego – Quarta edição
Revisada – conhecemos outras variantes textuais do número da Besta, como
veremos a seguir.
A) έξήκοντα ἕξ (sessenta e
seis= 666) ocorre nos seguintes manuscritos: p47 א A 051 205 209 1006 1611 1841
2052 2329 2351 2377 Biz[P 046] itgig vg
sirfi,h copsa,bo arm eti Irineu Hipólito André; Vitorino-Pettau Gregório-Elvira
Primásio Beato.
B) ἑξήκοντα πέντε (sessenta e
cinco= 665) ocorre em um manuscrito minúsculo, o 2344.
C) τεσσαράκοντα ἕξ (quarenta e
seis= 646) aparece no manuscrito itar .
D) δέκα ἕξ (dezesseis= 616)
ocorre nos seguintes manuscritos: p115 (χῖς) C vgms mssIrineu; Cesário. Essa
variante possivelmente poderia se referir a “Caio” César (o louco Calígula) ou
então a “Nero César”.
O manuscrito (p115) é um texto
fragmentário do livro de Apocalipse publicado como Oxyrhynchus papyrus 4499.
Ele consiste em 26 fragmentos de nove páginas diferentes, segundo Metzger e
Ehrman é impossível saber se o manuscrito original incluía outros textos junto
com o Apocalipse. Esse manuscrito pode ser paleograficamente datado do final do
terceiro ou do início do quarto século, e, é uma das mais antigas testemunhas
do livro de Apocalipse, “um pouco mais antiga que o Codex Sinaiticus, mas não
tão antiga quanto o manuscrito (p47)”. Outra característica interessante desse
manuscrito é que ele apresenta o número 616 como sendo o número da Besta. Mas
qual dessas variantes apresentadas acima tem mais chance de ser a original?
Acredita-se que aquela que afirma que o número da Besta é 666. O testemunho de
Irineu parece favorecer esse número, além disso, ele é “atestado pelas boas e
antigas cópias e por aqueles que tinham conhecido João pessoalmente”.
O número da imperfeição
Segundo William Milligan, o
número seis despertava um sentimento de medo entre os judeus. Isso porque
indicava a incapacidade de alcançar o ponto sagrado. Sua repetição (6 três
vezes) significava mais que uma queda do número de perfeição: sete. Nessa
perspectiva, a Besta parece estar próxima da perfeição, mas, o que a falta, a
torna diabólica e absolutamente oposta a Deus. Seu número é três vezes aquém da
perfeição. Porém, como ela tem a aparência da verdade, pode facilmente enganar.
O latim é o número da Besta
Irineu interpretou o número
666 seguindo o mesmo ponto de vista da gematria, assim para ele:
….O primeiro governante romano
foi Latinus. Seu nome escrito em grego é Lateinos. Letras gregas são numerais,
cada letra representando certo número. Assim: L-a-t-e-i-n-o-s. Essas letras
gregas quando usadas como numerais são iguais para os números opostos e seu
total adicionado é 666. Aqui, então, é o número da besta e é o número de um
homem, e é 666. A marca da besta, então, é a palavra “latim”.
Vamos explicar melhor! Naquela
época o latim era a língua mais importante tanto do mundo civil quanto do mundo
religioso. Assim, o que se tem em mente aqui é o império latino papal. No
entanto, segundo David Brady, o próprio Irineu abandonou essa tese em favor de
um novo argumento baseado no termo “teitan”. Brady lembrou que a nota marginal
de Apocalipse 13.18 na Bíblia de Genebra (de 1560) faz menção a esse mesmo nome
e ressaltou a preferência do papa pela língua latina e seu desprezo pelo
hebraico e o grego. O autor também lembrou que em defesa dessa interpretação
Napier argumentou que João escreveu para uma audiência grega que estava
acostumada a prática de números sendo substituídos por nomes. Brady ainda
ressaltou:
Brightman acrescenta uma nota
que ocorre com bastante frequência, comentando que homens importantes, como
imperadores, reis e magistrados, recebem a marca da besta na mão direita, isto
é, lutam como soldados da besta; as pessoas comuns, por outro lado, carregam
sua marca na testa, manifestando assim sua vassalagem à besta. O “número do
nome”, escreve ele, está gravado particularmente nos gregos, já que no ano de
1273 d.C, Miguel VIII Paleólogo fez um pacto especial com Gregório X em Lião,
desde que ele e seu povo dariam a honra do principado ao papa latino; somente
nestes termos eles receberam o reconhecimento da jurisdição papal.
Embora poucos estudiosos
rejeitassem alguns pontos da tese de Irineu, mantiveram que a interpretação
baseada no termo “lateinos” fosse a mais adequada. Mas outros estudiosos
rejeitaram essa interpretação. Para Nathaniel Stephens, por exemplo, a
descrição da Besta sob as letras “χξς” (a notação alfabética grega para 600, 60
e 6, onde a terceira letra não é sigma final, mas a ligadura stau ou estigma,
combinando σ e τ) é figurativa da mesma forma que a descrição de Deus como Alfa
e Ômega em Apocalipse 1. 8 é figurativa, “ambos descrevendo não um nome
literal, mas um atributo, e ambos fazem referência ao elemento tempo”. Assim,
“o Reino de Cristo é um Reino eterno, enquanto os reinos dos homens, descritos
através da linguagem simbólica dos quatro animais de Daniel, são reinos
finitos, todos chegando ao fim”.
Conclusão
Vitorino, um dos primeiros
comentaristas do livro de Apocalipse, acreditava que o capítulo 13 descrevia
acontecimentos da época dos destinatários originais do livro. Mas o leitor deve
refletir muito bem antes de abraçar ou dar crédito a qualquer interpretação
dogmática desse capítulo. Também deve cuidar para não fazer qualquer associação
direta e inequívoca entre a Besta e qualquer personagem histórico. Isso porque
toda a tensão do capítulo proíbe a suposição de que o significado do nome se
esgota em um único indivíduo. Entretanto, não estamos proibidos de supor que
Nero, Domiciano ou qualquer outro perseguidor da igreja agiram no mesmo
espírito da Besta. Também podemos conjecturar que os “muitos anticristos”
conhecidos na história podem ter sidos os precursores de um Anticristo ainda
mais terrível que está para se manifestar; mas que o Nosso Senhor Jesus o
matará com o sopro da sua boca, e o aniquilará pela manifestação da sua vinda.
Igualmente acreditamos ser um
equívoco interpretar literalmente o número da Besta. O livro do Apocalipse
emprega linguagem altamente simbólica para descrever Deus, Jesus, o Diabo, o
novo céu e a nova terra, e é assim até mesmo quando descreve os dois agentes do
inferno: a Besta que sobe do mar e a Besta que emerge da terra. Aliás, quando o
Apocalipse fala dessas duas Bestas é de animais que ele está falando? Claro que
não! Assim, então, por que deveríamos interpretar a marca da Besta como
literal? A resposta deste autor sobre essa questão, é que assim como o selo dos
redimidos (Ap 7.3) representa um compromisso com Deus, a marca da Besta
representa um compromisso com o Diabo e o anticristo.
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Por: Teologia Brasileira
Editado por: Joel Silva
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