Nadabe e Abiú


Uma Consagração Mal Sucedida


Mal tinham terminado as cerimônias da consagração, e os sacerdotes entrado nas suas funções sagradas, e um ato de sacrilégio foi perpetrado pêlos filhos mais velhos de Arão, Nadabe e Abiú. 

O capítulo 9 mostra a maneira segundo a qual o povo devia aproximar-se de Deus na adoração, e as bênçãos e os benefícios que resultariam. O capítulo 10 torna claro quão rapidamente a retribuição divina veio sobre aqueles que se recusaram a seguir a orientação, e que insistiram, ao invés disto, em seguir um curso independente. O que tão recentemente tinha sido um tempo de felicidade e esplendor para a nação é estragado por uma tragédia desnecessária. A situação ficou sendo ainda mais lastimável por causa da posição privilegiada que estes dois homens tinham desfrutado quando, juntamente com Moisés, com o pai deles, Arão, e setenta dos anciãos de Israel, tiveram licença de ver uma manifestação do Deus de Israel no Monte Sinai (Êx 24:1, 10). Os abusos que se permitiram foram de natureza muito séria, visto que foram induzidos pela desobediência.

1-2. Os dois homens começaram seus deveres no tabernáculo ao tomarem seus próprios incensários, que consistiam em panelas de forma achatada em que eram lavados carvões em brasa, e lhes deitaram fogo. Depois, colocaram incenso sobre as brasas, e, segundo parece apresentaram este fogo estranho a Deus, de uma maneira que não tinha sido preceituada. Há vários elementos deste' procedimento que violavam todas as instruções para o sacrifício que Moisés recebeu da parte de Deus. 

 

Em primeiro lugar, não há indicação alguma de que as brasas foram tiradas do altar do holocausto (cf. Lv 16:12), cujo conteúdo fora aceso pelo fogo divino quando o Senhor santificou o tabernáculo na ocasião das cerimônias de consagração dos sacerdotes. Até este ponto, portanto, uma mudança significante tinha sido feita nos rituais sacerdotais, e algo que não era santo, i.é, não consagrado ao serviço de Deus tomou-se um intruso entre os demais elementos consagrados. 

 

Em segundo lugar, nada há nos preceitos pormenorizados do sacrifício que declarasse que qualquer pessoa senão o próprio sumo-sacerdote devesse colocar incenso num incensário de brasas e apresentá-lo a Deus. Até mesmo aquela cerimónia era restrita ao dia da expiação quando, uma vez por ano, o sumo-sacerdote entrava no Santo dos Santos do santuário para cobrir o propiciatório com uma nuvem de incenso. 

Logo, ao se comportarem assim Nadabe e Abiú estavam usurpando de maneira espalhafatosa e imperdoável as responsabilidades da pessoa principal da hierarquia sacerdotal.  Suas ações podem ter sido o resultado do orgulho, da ambição, dos ciúmes, ou da impaciência, e, se for assim, sua motivação estava muito longe da intenção de quem procurava viver uma vida de santidade ao Senhor. 

 

Em terceiro lugar, fica óbvio que nem Moisés nem Arão tinham sido consultados acerca da mudança repentina de procedimento, e, portanto, as ações de Nadabe e Abiú consistiram de um ato de desobediência aos desejos conhecidos dos seus superiores, conforme são expressos na legislação sacerdotal, sem nada dizer quanto ao fato de constituir-se em ato de desafio contra Deus. Logo, a penalidade de ser "cortado", preceituada em Números 15:30 para os pecados de intenção deliberada contra os regulamentos da aliança, entrou em vigor de modo dramático. Além disto, o ato de colocar incenso sobre as brasas vivas poderia muito bem ter sido interpretado como sendo parte de um ritual simples de oferecer enceno a um deus pagão, tal como aquele em que se ocupavam as mulheres de Jerusalém nos tempos de Jeremias (Jr 44:25). Porque ser santo ao Senhor envolvia uma separação de todas as formas de mundanismo (cf. 2 Co 6:14-17), este tipo de inovação ritual era a própria antítese daquilo que Deus preceituara para a adoração a Ele. 

Outros fatores que podem muito bem ter entrado na transgressão incluíam a possibilidade de que o incenso não tinha sido composto de acordo com as instruções dadas por Deus a Moisés (Êx 30:34-38); que os dois homens usaram seus incensários domésticos ao invés daqueles que tinham sido consagrados especificamente para o uso no tabernáculo; ou que a oferta fora feita de modo impróprio, de modo que usurpasse as funções do altar de incenso (ÊX 30:7-8). 

Talvez o mais importante de tudo seja a possibilidade de que Nadabe e Abiú estivessem num estado ébrio ao entrarem nos seus deveres, e que esta condição influísse no seu são juízo. Nesta conexão, a proibição no v. 9 é muito relevante. À luz do que foi dito supra, parece difícil acreditar que o delito cometido fosse puramente acidental na sua natureza. A inversão de valores, mediante a qual aquilo que era profano foi oferecido ao Senhor como se fosse algo sagrado e consagrado é totalmente oposta a tudo quanto à aliança do Sinai representava. Ironicamente, foi pelo fogo que os transgressores morreram (2), mortos por uma chama consumidora que é característica da natureza de Deus (Hb 12:29), que exige a adoração aceitável com reverência e santo temor. Não se sabe exatamente como o fogo matou Nadabe e Abiú, ou se a palavra "fogo" era um sinônimo para um raio de relâmpago, contudo, há uma possível explicação para o fato ocorrido: Como "O fogo não podia se apagar" essa era a determinação de Deus ao sacerdócio; O FOGO ARDERÁ CONTINUAMENTE SOBRE O ALTAR (Lev. 6:8-13) 

Este texto é interessante para nós, pois, fala da manutenção do altar. Ele nos ensina como o altar deve ser mantido (o fogo aceso continuamente); ele nos fala do ofertante (como ele deve se apresentar diante do altar para o sacrifício) e de como devemos manter as nossas vidas em perfeito estado, como nos orienta a Palavra de Deus.

A. O holocausto oferecido ficaria durante toda a noite no altar e o fogo estaria queimando-o;
B. Ao amanhecer o sacerdote tiraria as cinzas e colocava mais lenha para que o fogo não viesse apagar;
C. O altar jamais poderia ficar sem o fogo aceso, pois o altar sem o fogo aceso significava altar sem a presença de Deus, quer dizer que ele estava em ruínas;
D. Fogo no altar era a confirmação de que Deus estava recebendo o sacrifício.

Removia-se as cinzas botava-se mais lenha, todavia "O fogo permanecia aceso. Partindo deste princípio, entende-se que; Em seu estado ébrio, ao retirarem as cinzas, apagaram o fogo, e, ao tentarem outra vez reacende-lo, que nesse caso o tornaria como "Fogo estranho"; Pois agora seria necessário a participação do sacerdote, onde o texto nos deixa claro que eles não pediram o auxilio, nem de Arão e nem de Moisés, acreditam os estudiosos, que eles buscaram o auxilio do betume, substância usada entre os antigos como combustível; Ao manusearem, foram surpreendidos pelas chamas; O incidente foi fatal, tido como resultado pela profanação quanto aos cuidados no exercício sacerdotal. 

Muitos daqueles estudiosos que atribuem uma data pós-exílica de composição a Levítico têm pressuposto que durante o exílio houvesse uma migração a Jerusalém de "grupos Sacerdotais" da área do norte, presumivelmente numa tentativa para estabelecer um sacerdócio do norte no reino do sul. Embora estes sacerdotes alegassem estar na tradição arônica, esta narrativa deixou claro que somente os filhos obedientes, Eleazar e Itamar, realmente transmitiram o sacerdócio legítimo de Arão, ao qual os sacerdotes israelitas apóstatas claramente não pertenciam. Para aqueles que sustentam este ponto de vista, a presente narrativa consiste de uma "história etiológica" '•que procura explicar a base lógica das condições que existiam num período subseqüente. Uma suposição deste tipo depende de atribuir, arbitrariamente, uma data na era do segundo templo a Levítico, proposição esta que foi asseverada muitas vezes por estudiosos liberais, mas ainda falta uma demonstração pêlos fatos. Mais significante de tudo é a falta total de evidência no Antigo Testamento para qualquer movimento de sacerdotes de santuários fora de Jerusalém para a capital de Judá a fim de substituir aqueles sacerdotes que foram levados para o cativeiro. Depois de 581 a.C. a área em derredor de Jerusalém ficou desolada, e a própria cidade era uma ruína, se é que se pode acreditar na evidência de Lamentações. Quando os cativos voltaram do exílio entre 538 a.C. e cerca de 525 a.C., a oposição que encontraram não vinha de círculos sacerdotais rivais, que se destacam pela sua ausência das narrativas relevantes, mas, sim, de indivíduos ou grupos com interesses políticos, tais como Sambalá, os árabes, os amonitas e os asdoditas (Ed 4:4; Ne 4:7).

3. Moisés empregou este incidente para ilustrar exatamente aquilo que Deus queria dizer por santidade e separação, a fim de que o pai desolado e o povo como um todo compreendesse. Ao passo que para os povos pagãos contemporâneos o conceito da santidade significava nada mais do que uma pessoa ou um objeto ser consagrado ao serviço de uma divindade, para os israelitas a santidade era um atributo ético do caráter divino que tinha de ser refletido nas suas próprias vidas e no seu próprio comportamento, visto que eram ligados pela aliança ao Deus de Sinai. Há dois aspectos básicos deste relacionamento que deveriam estar sempre em primeiro plano nas mentes dos israelitas: o primeiro era que a aliança procedia do amor de Deus (hesed); o segundo, que exigia dos israelitas uma resposta de obediência sem hesitação e sem qualificações.  

Visto que certos membros da linhagem sacerdotal aparentemente se recusaram a levar a sério à resposta humana ao amor de Deus conforme a aliança, todos deveriam aprender uma lição que, pela sua natureza visual, faria uma impressão duradora sobre as mentes individuais. Dai a declaração de Moisés de que Deus demonstrará a natureza e o significado da santidade. As palavras de Moisés não consistem de uma citação literal de pronunciamentos registradas na Tora, mas, sim, refletem seus ensinos acerca dos requisitos da santidade para o cargo de sacerdote (cf. Êx 19:22; 29:1, 44, etc.) e o aforismo de Samuel de que a obediência é preferível ao sacrifício (l Sm 15:22). Porque a santidade é um dos atributos espirituais mais característicos de Deus, forçosamente há de ser manifestada entre aqueles que estão associados com Ele. O Novo Testamento está em harmonia com esta proposição na sua insistência em que os crentes em Cristo vivam vidas de consagração e santidade (Rm 12:1; Ef5:27; l Pé 1:15-16, etc.). Quanto mais estreitamente a pessoa está associada com a obra de Deus no mundo, tanto mais necessário é assegurar-se de que o relacionamento com Deus não é estragado por máculas espirituais, senão, o crente não pode funcionar adequadamente como canal para a graça saneadora de Deus. Uma situação deste tipo também exige que aqueles que têm dons especiais, ou que ocupam posições de grande responsabilidade na sociedade, devem ser especialmente escrupulosos no que diz respeito à sua conduta geral. Um número grande demais de pessoas que vivem em todos os níveis da vida comunitária imaginam que o destaque social ou político isenta, dalguma maneira, o indivíduo das exigências da lei moral. Em contraste, o Novo Testamento ensina que o juízo será aplicado mais rigorosamente àqueles que foram ricamente dotados com capacidade e conhecimento do que a outros numa situação menos afortunada (cf. Lc 12:48). O fato de que este julgamento começará pela casa de Deus (l Pé 4:17) exige que cada crente deva confirmar sua vocação e eleição (2 Pé 1:10). Os filhos de Arão tinham ocupado por um período muito breve uma posição privilegiada como líderes espirituais da nação, mas não tinham levado suas responsabilidades tão a sério quanto exigia um Deus justo e santo. Como resultado, era impossível para Deus ser glorificado diante de todo o povo. A consistência do testemunho cristão pêlos lábios e pela vida é vista na insistência de que os crentes individuais glorificassem a Deus nos seus corpos (l Co 6:20), i.é, com suas personalidades inteiras. O impacto desta virada dramática dos eventos sobre Arão é percebido no seu silêncio enquanto a lição estava sendo assimilada. Sem dúvida, estava numa condição de choque severo, mas de qualquer maneira, dificilmente poderia ter justificado o comportamento dos seus filhos por qualquer motivo que fosse. Se no seu coração reconhecia que o castigo fora justo, embora fosse rápido e severo, sua única resposta poderia ser a da aceitação humilde da vontade de Deus (cf. SI 39:9).

4-5. Para a tarefa de remover os cadáveres da área do tabernáculo, Moisés chamou dois primos em primeiro grau de Arão; Misael e elzafã, acerca dos quais nada mais se sabe senão que não eram sacerdotes. Nenhuma pessoa consagrada poderia ter tocado nos mortos sem ficar contaminada, e este fato proibiu o pai desolado de entrar em contato físico com seus filhos mortos. Presumivelmente os primos de Arão eram os parentes mais próximos, e, portanto, podiam tratar dos ritos do enterro. Os cadáveres deveriam ser enterrados nalgum local além do arraial israelita propriamente dito, porque assim seria evitada a contaminação cerimonial de qualquer pessoa que acidentalmente chegasse ao local do enterro. Em terreno rochoso o sepulcro seria marcado por um monte de pedras empilhado sobre os corpos para evitar que estes fossem mutilados por animais ou aves predatórias. Os mortos estavam sendo aparentemente enterrados envoltos nas suas túnicas sacerdotais de linho (Heb. ktonet) tecidos com obra bordada (Ex 28:39), o que indica que, qualquer que fosse o dano feito a eles pelo fogo na ocasião da morte, não tinha queimado suas roupas externas até consumi-las.

6-7. Moisés proibiu Arão e seus dois filhos sobreviventes, Eleazar e Itamar, de lamentarem a morte súbita de Nadabe e Abiú. Deixar os cabelos desgrenhados e rasgar as vestes eram indicações comuns de grande pesar entre os israelitas (cf. Gn 37:29-30; 44:13). Outros membros da congregação poderiam lamentar a calamidade desta maneira se assim desejassem, mas se os sacerdotes consagrados sobreviventes fizessem assim, dariam a entender que não estavam dando prioridade às suas responsabilidades sacerdotais. Tal atitude traria sobre eles o mesmo tipo de castigo da parte de Deus, porque pareceria que estavam disputando ou desafiando, dalguma maneira, o julgamento que fora executado. Esta proibição deve ter colocado uma pressão tremenda sobre o controle-próprio de Arão e dos seus dois filhos sobreviventes, especialmente porque os israelitas respondiam de modo muito emotivo à incidência da morte. Os demais aronitas também foram proibidos de deixar a área do santuário, porque estavam num estado de consagração ritual. Violar esta condição santa traria a morte sobre eles, e a ira punitiva sobre o povo de Israel. Mesmo num tempo de grande calamidade, os sacerdotes do Senhor deviam dar um exemplo à nação, de rigorosa obediência à vontade de Deus, e da fidelidade sem desvios às leis que regiam os rituais do tabernáculo. Fossem quais fossem seus sentimentos pessoais, não deviam permitir que coisa alguma interferisse com a obra do ministério. Ao cumprir a vontade do Seu Pai, Jesus Cristo não permitiu que considerações pessoais de qualquer tipo se pusessem no caminho da Sua obra redentora do Calvário. Como tal. Ele fica sendo um modelo da dedicação e devoção que se espera que o cristão exemplifique.


g. Proibidos os sacerdotes bêbados (10:8-11)

8. Esta seção começa com uma declaração direta de Deus para Arão, ao invés de para Moisés, acerca de ingerir bebidas inebriantes. No futuro, sejam quais forem as circunstâncias, os sacerdotes oficiantes estavam proibidos de beber inebriantes antes de empreenderem seus deveres sacrificiais no tabernáculo. A desobediência a esta proibição resultaria na morte do transgressor. A santidade cerimonial e a autodisciplina deviam, portanto, ir de mãos dadas. A presença de uma delas não garantiria que a outra estaria ali automaticamente. O fato de que o sacerdote foi consagrado de acordo com os rituais divinamente revelados não o impedia de fazer suas próprias decisões, para o bem ou para o mal. O desenvolvimento do caráter cristão exige que a vontade do indivíduo seja entregue para o propósito de Deus para sua vida, seguindo o exemplo dado por Cristo (f o 4:34; 5:30). Baseado nestes fatos, a tradição rabínica de que os dois filhos de Arão cometeram sacrilégio ao oficiarem no tabernáculo enquanto estavam sob a influência do álcool parece ter considerável substância.

9. Vinho e bebida forte parecem ter sido as bebidas principais para os adultos no Oriente Próximo antigo, visto que nem chá nem café tinham sido introduzidos naquela área neste período. O vinho (Heb. yayin) era feito do suco espremido e fermentado das uvas, que bem possivelmente foram cultivadas primeiramente na região de Ararate. 38 A bebida forte (Heb. fêkar) era um termo freqüentemente usado em associação com o vinho, e as duas palavras parecem ter descrito bebidas alcoólicas de potência variada. Talvez a "bebida forte" fosse o produto da destilação, e como tal, fosse um licor alcoólico e não uma bebida fermentada tal como o vinho ou a cerveja. Esta última era fermentada tanto da cevada quanto das tâmaras, e era especialmente favorecida pêlos egípcios e pêlos filisteus. Porque os fornecimentos de água apropriada para o consumo humano não eram de modo algum abundantes no Oriente: Próximo, parece ter havido pouca coisa disponível para beber a parte das bebidas alcoólicas dalgum tipo. Em tais condições, não era fácil, de modo algum, controlar a embriaguez, e somente os mais disciplinados, tais como os nazireus (Nm 6:3), conseguiam abster-se de bebidas inebriantes por períodos consideráveis de tempo. Nos dias de Isaías, parece que os sacerdotes se submetiam cada vez mais à influência do álcool (cf. Is 28:7), ao passo que o livro de Provérbios dá advertências freqüentes acerca dos perigos da embriaguez (cf. Pv 20:1; 23:30-31). O álcool etílico é uma substância que não ocorre naturalmente nos tecidos constituintes do corpo humano. Quando é ingerido, é distribuído rapidamente pelo intestino delgado, embora uma pequena quantidade passe do estômago diretamente para a corrente sanguínea. Um máximo de 10% do álcool consumido é desfeito pêlos processos normais físicos, sendo que o restante é metabolizado por certos órgãos do corpo, principalmente o fígado. Aqueles que bebem pequenas quantidades de álcool regularmente durante um período prolongado de tempó não parecem sofrer maus efeitos significantes, provavelmente porque, quando o álcool é ingerido, é grandemente diluído pêlos fluidos do próprio corpo como parte do processo de absorção. O álcool opera diretamente sobre o sistema nervoso central, e embora seu efeito em doses grandes e sempre mantidas seja o de um depressível, pode produzir certas formas de excitação quando é ingerido em quantidades pequenas. Neste último estado, a perda de inibições é claramente notada, o que indica que o efeito imediato do álcool influi em funções mentais avançadas como o pensar e o fazer julgamentos. Desde os tempos muito antigos, o álcool tem sido bebido para aliviar a tensão ou o grande pesar, acreditando-se que as tristezas pudessem ser "afogadas" (cf. Pv 31:6-7), ou para agir como carminativo em casos de dispepsia ou de gastrite branda (cf. l Tm 5:23), além de servir como a bebida normal em várias culturas. Certo texto médico babilônico descreveu uma condição por demais comum naqueles tempos: "Se um homem tiver bebido demais de vinho forte, e se sua cabeça estiver confusa, se  esquecer das suas palavras e se sua fala ficai embaraçada, se seus pensamentos divagarem e seus olhos ficarem vidrados. . ." F. Küchier, Beitrage zur Kenntnis der Assyrisch-Babylonischen Medizin Ocasionalmente, médicos modernos receitam a ingestão oral de álcool em doses semelhantes às clínicas, mas esta prática é rigorosamente uma sobrevivência da medicina folclórica.  Suprimentos abundantes de vinho eram considerados no Antigo Testamento como uma das bênçãos de Deus. (cf. Gn 27:28, etc.), trazendo alegria ao coração e alívio aos tristes (SI 104:15; Pv 31:7). O que, no entanto, era encarado com reprovação, era a embriaguez que formava uma parte integrante dos ritos religiosos pagãos em Canaã e noutros lugares, e embora os sacerdotes hebreus tivessem licença de ingerir bebidas alcoólicas como parte de uma refeição, eram proibidos de imitar as atividades ébrias dos seus pares cananeus, ou o comportamento de profetas cultuais tais como os muhhu, cujos  pronunciamentos oraculares, segundo parece, eram inspirados pelo menos parcialmente pelo álcool.

Os Nazireus refletiam as práticas antigas da separação e de uma abstinência auto-imposta, a fim de realizar algum tipo especial de dever religioso (Nm 6:1-21). Um dos três aspectos distintivos principais dos nazireus era a total abstinência do vinho e das uvas. Conforme Amos 2:11-12, Deus dera os nazireus ao Israel apóstata como exemplos e instrutores espirituais, mas o povo comprometera o testemunho deles. Outro grupo que parece ter surgido contra o luxo e a corrupção da Judá dos séculos VIU e VII a.C. era conhecido como os recabitas, uma ordem fundada por Recabe, da tribo de Judá. O descendente de Recabe, Jonadabe, impusera uma proibição contra a ingestão do vinho, sem dúvida como parte da tradição familiar, e os membros do grupo foram ferrenhos quanto à sua posição quando Jeremias, mediante a ordem recebida de Deus, testou a autodisciplina deles (Jr 35:1-11). O profeta passou, então, então, a usar a obediência deles ao seu ancestral como exemplo de fidelidade verdadeira, e demonstrou o forte contraste com a apostasia e desobediência dos israelitas ao seu Pai espiritual (Jr 35:12-19). O cristão é advertido de modo semelhante contra o uso intemperante de bebidas alcoólicas (l Co 6:10; Ef 5:18), visto que a personalidade deve estar em todos os tempos sob o controle completo de Cristo.

10-11. Porque os sacerdotes precisam dar conselhos que afetam as vidas dos israelitas, devem ter plena posse das suas faculdades enquanto cumprem seus deveres. Nada deve ter licença de interferir com seus processos mentais, senão, serão incapazes de discernir e mediar a vontade de Deus para Seu povo. Se estiverem sob o efeito do álcool, a distinção entre o santo e o profano logo ficará ofuscada, talvez até ao ponto de perder seu significado. Tal coisa frustraria um propósito importante do relacionamento da aliança, que visava, entre outras coisas, tornar os israelitas o grupo mais distintivo no mundo antigo (cf. Dt 7:6; 14:2). Teoricamente, este aspecto distintivo capacitaria o povo, ao receber perguntas, a testificar da sua fé no Deus vivo do Sinai, que, acima de todas as demais divindades no Oriente Próximo antigo, era único e sem igual. Destarte, o povo da aliança poderia testificar àqueles ao seu redor quanto ao significado verdadeiro da santidade. Enquanto este povo se conformava progressivamente ao mundo da cultura secular (cf. Rm 12:2), sua qualidade distintiva desapareceu, e seu testemunho foi transigido de modo correspondente. Visto que o sacerdote também era um mestre da Tora, era questão de grande importância para ele n3o meramente saber os regulamentos cerimoniais e rituais, mas também ser convencido na sua própria mente quanto à diferença entre o bem e o mal, o comportamento moral e imoral, o sagrado e o profano. Jesus no Seu ensino tinha conselhos semelhantes para Seus discípulos (cf. Mt 7:6), de modo que, tendo a capacidade de distinguir entre o santo e o comum, não profanarias as coisas sagradas. Como resultado de uma visão (At 10:10-16), o apóstolo Pedro foi relembrado da capacidade de Deus de purificar aquilo que era comum, atividade esta que é característica do evangelho cristão. As leis a respeito do imundo e o limpo são citados com pormenores em Levítico 11 - 15. O dever do sacerdote como instrutor do povo nos caminhos do Senhor é inculcado em Arão (11). O sacerdote não é um oficiante mecânico, programado para seguir automaticamente uma série de regulamentos cultuais, mas, sim, é uma pessoa autoconsciente, consagrada ao serviço do Senhor, e, conseqüentemente, encarregado de responsabilidades espirituais importantes. Ao invés de pronunciar blasfêmias ou profanidades, seus lábios ensinarão o conhecimento de Deus. Longe de ser influenciado pelo gênio distinto do mundo pagão, o sacerdote se deleitará em fazer a vontade de Deus (SI 40:8), e conhecerá tão bem a lei de Deus que poderá indicar aos outros a direção que suas vidas devem seguir (cf. Ml 2:7). Não é, portanto, por acidente que o Novo Testamento emprega o conceito do sacerdócio para descrever o grupo dos crentes em Cristo, porque fala da dedicação, da entrega, da santidade, e comunhão estreita e contínua com o Senhor.

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