A igreja e seus partidos

A igreja e seus partidos


O apóstolo Paulo plantou a igreja de Corinto no final de sua segunda viagem missionária. Ele passou um ano e seis meses pregando a Palavra de Deus naquela grande cidade (At 18.11) e, nesse tempo, ele gerou esses crentes em Cristo (4.15). Depois, Paulo foi para a cidade de Efeso, na Ásia Menor. De lá mandou essa carta para a igreja de Corinto. 

Essa primeira carta, certamente, não foi a primeira carta que Paulo escreveu aos coríntios. Ele escreveu outra carta, porém, não temos conhecimento do seu paradeiro. Paulo faz referência a essa primeira carta que escrevera: “Já em carta vos escrevi que nao vos associásseis com os impuros” (5.9).

Essa carta que temos, I Coríntios, é a resposta de Paulo a uma consulta que a igreja fizera a ele. Erdman escreveu: “Comumente são agrupados em número de dez, a saber: partidos na igreja, escândalos, questões judiciais, impureza, casamento, alimentos oferecidos em sacrifício, comportamento da mulher no culto público, administrarão dos sacramentos, dons espirituais, e ressurreição dos mortos”.

“A problemática que a igreja estava vivendo chegou ao conhecimento de Paulo em Éfeso, por intermédio de uma irmã da igreja de Corinto chamada Cloe. E quando Cloe visitou Paulo em Efeso, ela levou a ele a informação de que, na igreja de Corinto, havia muita coisa que estava em desacordo com o que ele ensinara, pois havia divisões e contendas na igreja. Então, Paulo, escreve esta carta, como que trazendo resposta e solução de Deus para os problemas que a igreja estava vivenciando”. 


Sua Igreja vai bem?  Esta pergunta simples e corriqueira é, na verdade, de difícil resposta. Para alguns a igreja nunca vai bem. Para outros ela nunca vai mal. Na verdade, igreja perfeita só mesmo a triunfante pois todas as que ainda militam na vida presente, enfrentam problemas, crises e contratempos que servem para o amadurecimento e despertamento de líderes e do povo de Deus. Assim sendo, uma das questões mais desestabilizadores e visivelmente presente nas igrejas hoje, e que certamente precisa de reflexão e orientação para sua superação é a divisão.

MacArthur escreveu: “O problema existe na igreja desde os tempos do Novo Testamento. Os crentes de Corinto deixaram a desejar de muitas maneiras e a primeira coisa pela qual Paulo os chamou à ordem foi a discórdia ou contenda. Contenda é uma realidade na igreja porque o egoísmo e o pecado são realidades nos seres humanos. Por causa de desavenças, o Pai é desonrado, o Filho é envergonhado, seu povo é desmoralizado e desacreditado e o mundo é afastado (despedido) e confirmado na descrença”.

Igrejas divididas, faccionadas, cheias de grupinho, de partidos e sub-partidos, é de fácil percepção nos dias atuais. Os motivos para as dissidências e intrigas são as mais variadas. Pode-se citar alguns exemplos: formas de liturgia (tradicionais e renovados); opção política (situação e oposição); confronto de gerações (idosos e jovens), lideranças eclesiásticas (satisfeitos e insatisfeitos), ênfase ministerial (espiritualizados e socializados). É bom dizer, logo de início, que não há nada de errado com opiniões divergentes ou com diversidade na igreja. A diversidade é positiva na vida da igreja, a divisão é negativa. Jesus afirmou que “reino dividido não subsistirá”, Mt 12.25.

Quando lemos a carta de Paulo aos Coríntios, um dos primeiros problemas verificados são as divisões de partidos presente naquela igreja, I Co 1.11-13.

O teólogo B. P. Bittencourt afirma que “Paulo começa sua carta tratando deste problema criado pela longa ausência do pastor. E que se cristalizou em grupos bem definidos”

1. O partido de Paulo: “Eu sou de Paulo” (v.12). 
O apóstolo foi o fundador da igreja em Corinto (At 18.8-11). Esse partido era o grupo dos “fundadores”, talvez, composto principalmente por gentios. Provavelmente, este grupo era formado pelos que se converteram através da pregação de Paulo. Lembremos que Paulo era o "apóstolo dos gentios" (Rm 11.13), entretanto, ensinava os crentes gentios a amarem a todos e a respeitarem a consciência dos mais fracos (1 Co 8.10-13).


2. O partido de Apolo: “Eu sou de Apolo” (v.12). 
Apolo era um servo de Deus, "eloquente e poderoso nas Escrituras" (At 18.24-28), que ministrou na cidade de Corinto depois da partida de Paulo para a Síria (At 18.18; 19.1). Era natural de Alexandria, Egito, um eficaz expositor das Sagradas Escrituras, e um fluente orador (At 18.28). O "grupo de Apolo", pode ter sido formado pelos elitistas, intelectuais, filósofos e sábios da igreja de Corinto (1 Co 1.20-23; 2.1-6; 3.18,19). Quando Paulo insistiu mais tarde para que Apolo fosse a Corinto, ele não atendeu a solicitação do apóstolo, talvez com receio que sua presença estimulasse ainda mais as divisões (1 Co 16.12). O partido de Apolo certamente era o dos intelectuais e teólogos da igreja local.


3. O partido de Cefas: “Eu sou de Cefas” (v.12). 
Cefas era o nome de Pedro no aramaico (Jo 1.42). Não há qualquer registro de que este apóstolo tenha ido a Corinto, mas seu renome como um dos três discípulos mais chegados a Cristo (Mt 17.1; Mc 5.37; 14.33), e "apóstolo dos judeus" (Gl 2.7,8) era conhecido por todos os cristãos. O "partido de Cefas", que dera muito trabalho a Paulo, era formado por judeus legalistas. Pedro, cheio do Espírito Santo, pregou no dia de Pentecostes, ocasião em que milhares de judeus se converteram e, certamente, muitos deles vindo de Corinto. Os componentes do “partido de Cefas” se ufanavam do fato de Cristo e os apóstolos serem de linhagem judaica. O partido de Cefas era o dos tradicionalistas, que conservavam os costumes em tempos de mudança.


4. O partido de Cristo: “E eu de Cristo” (v.12). 
Este grupo da igreja era exclusivista. Os partidários dessa facção se consideravam os únicos defensores do verdadeiro Evangelho e da graça. Eles não se submetiam a nenhum pastor humano. Só Cristo servia. Este partido era, sem dúvida, o mais nocivo dos grupos facciosos. Não aceitava a direção de qualquer autoridade eclesiástica. Acreditava que a igreja de Corinto estava em crise e que seus líderes não mereciam qualquer crédito. O "partido de Cristo" era uma igreja emergente dentro da igreja local.

Todos, entretanto, cometiam grave pecado contra a unidade do Corpo de Cristo. Os liberais, do partido de Paulo, achavam que podiam exercer a liberdade em Cristo acima da lei do amor (1 Co 13), – seu pecado era a libertinagem. 

Os legalistas, do partido de Pedro, erravam ao unir a lei com a graça (Jo 1.17; Rm 10.4; Cl 2.14) – seu pecado era unir duas alianças distintas. 

Os intelectuais, do partido de Apolo, com seu racionalismo filosófico, acreditavam que a lógica e a razão eram tudo o que precisavam para entender as coisas do Espírito – seu pecado era aceitar as escolas de pensamento humano em vez da revelação do Espírito. 

Os exclusivistas, do partido de Cristo, por causa do seu orgulho, carnalidade e imaturidade crônica, não se submetiam a nenhuma liderança pastoral – seu pecado era a insubordinação. Tais pecados continuam hoje a estragar e corromper crentes e suas respectivas congregações: libertinagem, legalismo, exclusivismo, dependência da sabedoria e capacidade humanas.


Os Grupinhos. 
Na igreja ainda hoje, há "grupinhos" que costumam dividir e fracionar o povo de Deus. Não apresentam estes a mesmíssima natureza carnal e imaturidade dos crentes coríntios? Imaginemos uma congregação cristã tendo do seu lado de fora, na sociedade, uma pecaminosidade sem limite como a de Corinto, e, do lado de dentro, na igreja, dissensões, imoralidade, desordem no culto, práticas idolátricas e até embriagues. A expressão no versículo 10, “sejam unidos em um mesmo sentido”, no original é a mesma expressão “consertando as redes” em Mt 4.21. Redes rasgadas não recolhem peixe algum, a menos que sejam consertadas. Uma igreja despedaçada por divisões internas não tem como ganhar almas para Cristo, nem desfrutar do fluir da graça de Deus e do seu poder. O crédito não é do pregador, muito menos do mestre, mas do Senhor (v.7). Nem Paulo, nem Apolo têm a proeminência, mas Cristo. "Portanto, ninguém se glorie nos homens; porque tudo é vosso" (v.21).

Bruce escreve que: “Personalidades, métodos de pregação e, provavelmente, ênfases doutrinárias se tornam pontos de divisão. O apóstolo deixa bem claro que isso não era vontade dele, nem de Cristo. Comparações feitas pela congregação se consolidaram em “panelinhas”. (v. 13-17)”.

Comentando 1 Co 1.10, Hernandes Dias Lopes escreveu: “Depois de apontar o problema, Paulo roga aos irmãos que em nome de Jesus falem a mesma coisa. Que não haja entre eles divisões. A palavra “divisão” é a palavra grega cisma, cujo significado é rasgar um tecido. O que Paulo está dizendo é que havia na igreja algo como um tecido rasgado. E isso que eles estavam fazendo: rasgando a igreja! O apóstolo ordena à igreja: “[...] antes, sejais inteiramente unidos, na mesma disposição mental e no mesmo parecer” (1.10b).

Paulo cuida do assunto de forma transparente (1.11). Muitas vezes quando queremos tratar dos problemas da igreja, não tratamos de maneira semelhante. Paulo ficou sabendo das contendas na igreja (1.10; 7. 1; 16.10,11, 12, 17). Ele informou a igreja sobre o problema e deu o nome de quem lhe trouxe o problema.

Sobre este posicionamento de Paulo, Hernandes Dias Lopes diz o seguinte: “Paulo é específico quanto à informante e quanto à informação. Essa transparência neutraliza a maledicência dentro da igreja. Quando as coisas são trabalhadas em um ambiente de abertura e de transparência, o mal é tratado e resolvido sem deixar feridas, mágoas e ranços”.


1. EXPRESSÃO DE NULIDADE DA CRUZ DE CRISTO
O Evangelho de Cristo é um Evangelho que promove unidade e não dissensões. Infelizmente, muitas igrejas vivem atualmente o drama que a igreja de Corinto vivenciava naqueles tempos: O drama da divisão. O Apóstolo Paulo ao tomar ciência das dificuldades reinantes naquela comunidade faz a indagação: “Acaso Cristo está dividido? ” I Co 1:13. 

Paulo diz que as divisões na igreja são absurdas, porque elas estão levando os crentes a pensar que Paulo está pregando um Cristo, Apoio está pregando outro Cristo e Cefas está pregando ainda outro Cristo. Há somente um Salvador. Há somente um Evangelho. A igreja de Corinto começou a se dividir internamente. Por quê? Porque em vez de a igreja influenciar o mundo, o mundo é que estava influenciando a igreja. Onde há presença reinante da divisão, dos partidos, há também fortes indícios de que a cruz de Cristo está anulada. Vemos atualmente igrejas se dividindo por causa de pessoas que se acham no direito de ser as protagonistas centrais do Evangelho. Vemos grupos criando inimizades nas igrejas por questões tão pequenas para a essencialidade do Evangelho. 

Uma outra realidade bastante interessante, é o que David Prior escreveu: “o triste é que os membros insatisfeitos muitas vezes têm o pensamento ingênuo de que outra igreja na região seria uma opção um pouco melhor. Dessa inquietação surge o hábito comum do “troca-troca” de igrejas”.

Onde está a cruz de Cristo? Essa cruz que promove a unidade, que derruba a parede da inimizade, criando o vínculo da paz, onde está? Paulo afirmou o poder da Cruz em nosso meio, Ef 2.14-16; Fp 3.17-18.


2. EVIDÊNCIA DE UMA IGREJA CARNAL
Uma segunda realidade que o texto salienta sobre o problema da divisão na igreja de Cristo, é a evidência de uma igreja carnal. O apóstolo Paulo denuncia esta questão. A igreja de Corinto tinha inúmeros dons em operosidade, tinha fama de espiritual, de carismática, mas estes irmãos são identificados por Paulo como crianças espirituais, e crentes carnais, impossibilitados de alimento sólido (I Co 3:1-3). 

Ao escrever sua carta aos Gálatas, Paulo distingue com clareza o que é fruto da presença do Espírito e o que é resultado da presença da carnalidade na igreja (Gl 5:19-23). 

Muitas igrejas estão confusas, atualmente, com a pregação de falsos avivamentos e de doutrinas inovadoras dos nossos dias. As divisões e cismas presentes nestes movimentos não são expostos como fruto do Espírito, mas como obra da carne, segundo a Palavra de Deus. A igreja de Corinto tinha conhecimento, mas não amor; tinha carisma, mas não caráter. Na verdade, era uma igreja infantil e carnal.  Em atos dos Apóstolos vemos a igreja Cristã iniciante, cheia da presença do Espírito evidenciando às pessoas o amor de Deus, a comunhão, a alegria, a singeleza de coração, mas acima de tudo a unidade de propósito e de serviço (At 2:42-47; 9:31) Quando as divisões impedem a existência desse ambiente, fica evidente a carnalidade na igreja.


3. EMPECILHO PARA O DESENVOLVIMENTO DA OBRA
Outra importante realidade que precisa ser enfatizada é que a divisão se torna empecilho para o desenvolvimento da obra. Queremos lembrar que divisão é uma realidade negativa, enquanto a diversidade de serviços e funções é tremendamente positiva na obra.  Aqueles crentes de Corinto estavam contendendo pelos líderes que mais agradavam. Quem seria o melhor? Quem fez a igreja crescer mais? Paulo, Apolo, Cefas? A carnalidade daqueles irmãos fazia aflorar o sentimento partidarista e impedia que eles vissem a obra como um todo, e Paulo, Apolo e Cefas como co-participantes desta obra. 

Hernandes Dias Lopes, escreveu: “Eles estavam dividindo a igreja. e por quê? Porque estavam dando mais importância ao pregador do que à mensagem. Paulo precisa ensinar a essa igreja que o vaso, o mensageiro, é de barro (2Co 4.7). O importante não é o vaso de barro, o importante é o poder, é o conteúdo que está dentro do vaso. Esse conteúdo é o poder de Deus. Esse conteúdo é o evangelho. E é esse conteúdo que tem de ser ressaltado. Paulo chega a perguntar à igreja de Corinto: quem é Paulo? Quem é Apoio? Apenas servos por meio de quem vocês creram. Paulo quer que eles confiem em Deus e não no mensageiro. O propósito da pregação não é enaltecer o pregador, mas o Jesus que o pregador anuncia. Todas as vezes que a igreja comete o pecado do culto à personalidade, dando mais ênfase ao pregador que à pregação, conspira contra Jesus, esvazia o evangelho, e torna-se um obstáculo para o pecador vir a Cristo”.

O apostolo Paulo afirma que há um só fundamento. Uma só obra. Contudo, há diversas maneiras de realizá-la, I Co 12.12-31.
Rev. Leandro Lima, escreveu: “Jesus batizou em um único Espírito todos os crentes num único corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. Nada poderia ser mais enfático. De fato não há classes distintas de crentes. Em um Espírito foi estabelecida uma só igreja, Gl 3.26-28; Ef 4.4-6. Graças a Deus porque a igreja dele não está dividida. Não há divisões ou classes distintas de crentes dentro da igreja, pois todos os crentes já foram batizados no mesmo Espírito” 


4. ELIMINAÇÃO DO SENTIMENTO DE COMUNHÃO
Até agora, pudemos perceber o prejuízo da divisão da igreja, no que concerne ao testemunho da cruz de Cristo, na espiritualidade e no desenvolvimento da obra. 

Contudo, o maior prejuízo, está ligado aos relacionamentos entre os irmãos em Cristo. O sentimento partidarista promove rupturas relacionais motivadas por inimizades. Como é possível estarem duas pessoas ligadas ao mesmo Deus e inimigas? 

O profeta Amós escreve: “Andarão dois juntos se não houver entre eles acordo? ” (Am 3:3). 

Como é possível duas pessoas afirmarem viver no amor de Deus e se odiarem? O apóstolo João orienta: “Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (I Jo 4:20).

Como é possível duas pessoas louvar a Deus, cantar ao seu Santo nome, se estão em desacordo? O Senhor Jesus afirmou: “Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma cousa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta” (Mt 5:23-24).

A igreja precisa resgatar a sua identidade de comunidade unida, de um grupo de pessoas que, irmanadas na cruz de Cristo, trabalham, se motivam mutuamente e se doam ao próximo.

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