A negação da existência de Deus
Os estudiosos de religiões comparadas e os
missionários freqüentemente dão testemunho do fato de que a idéia de Deus é
praticamente universal na raça humana. É encontrada até mesmo entre as mais
atrasadas nações e tribos do mundo. Isto não significa, contudo, que não há
indivíduos que negam a existência de Deus completamente, nem tampouco que não
há um bom número de pessoas em terras cristãs que negam a existência de Deus
como Ele é revelado na Escritura, uma Pessoa de perfeições infinitas,
auto-existente e auto-consciente, que realiza todas as coisas segundo um plano
predeterminado. É esta última forma de negação que temos particularmente em
mente aqui. Ela pode assumir várias formas e, na verdade, tem assumido várias
formas no curso da história.
1. A ABSOLUTA NEGAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE
DEUS.
Como acima foi dito, há forte prova da presença universal da idéia de Deus na mente humana, mesmo entre as tribos não civilizadas e que não tem recebido o impacto da revelação especial. Em vista deste fato, alguns chegam a negar a existência de pessoas que negam a existência de Deus, que haja verdadeiros ateus, a saber, os ateus práticos e os teóricos. Os primeiros são simplesmente pessoas não religiosas, pessoas que na vida prática não contam com Deus, e vivem como se Deus não existisse. Os últimos são em regra, de um tipo mais intelectual, e baseiam a sua negação num processo de raciocínio. Procuram provar que Deus não existe usando para este fim aquilo que lhes parece argumentos racionais conclusivos. Em vista da semen reliogionis implantada em todos os seres humanos, pela criação do homem à imagem de Deus, é seguro admitir que ninguém nasce ateu. Em última análise, o ateísmo resulta do estado moral pervertido do homem e do seu desejo de fugir de Deus. É deliberadamente cego para o instinto mais fundamental do homem, para as necessidades mais profundas da alma, para as mais elevadas aspirações do espírito humano, e para os anseios de um coração que anda tateando em busca de um ser mais alto; é cego para estas realidades e as procura suprimir. Esta supressão prática ou intelectual da operação da semen reliogionis freqüentemente envolve prolongados e penosos conflitos.
Não se pode duvidar da existência de ateus
práticos, visto que tanto a Escritura como a experiência a atestam. A respeito
dos ímpios o Salmo 14.1 declara: “Diz o insensato no seu coração: não há Deus”
(cf. Sl 10.4b). E Paulo lembra aos Efésios que eles tinham estado anteriormente
“sem Deus no mundo”, Efésios 2.12. A experiência também dá abundante testemunho
da presença deles no mundo. Eles não são necessariamente ímpios notórios aos
olhos dos homens, mas podem pertencer aos assim chamados “homens decentes do
mundo”, embora consideravelmente indiferentes para com as coisas espirituais.
Tais pessoas muitas vezes têm a consciência do fato de que estão em desarmonia
com Deus, tremem ao pensar em defrontá-lo e procuram esquecê-lo. Parecem Ter um
secreto prazer em exibir o seu ateísmo quando tudo vai bem, mas é sabido que
dobram os seus joelhos em oração quando sua vida entra repentinamente em
perigo.
Na época presente, milhares desses ateus
práticos pertencem à Associação Americana para o Progresso do Ateísmo.
Os ateus teóricos são doutra espécie. Geralmente são de um tipo mais intelectual e procuram justificar a afirmação de que não há Deus por meio de argumentação racional.
O professor Flint distingue três espécies de
ateísmo teórico, a saber,
(1) Ateísmo dogmático, que nega
peremptoriamente a existência de um ser divino;
(2) Ateísmo cético, que duvida da capacidade da
mente humana de determinar se há ou não há um Deus;
(3) Ateísmo crítico, que sustenta que não há
nenhuma prova válida da existência de deus.
Estes frequentemente caminham de mãos dadas, mas mesmo o mais moderado deles realmente declara que toda e qualquer crença em Deus é uma ilusão. Nesta divisão se verá que o agnosticismo também aparece como uma espécie de ateísmo, classificação que desagrada a muitos agnósticos. Deve-se ter em mente, porém, que o agnosticismo referente à existência de Deus, embora admitindo a possibilidade da sua realidade, deixa-nos sem um objeto de culto e adoração exatamente como faz o ateísmo dogmático. Contudo, o verdadeiro ateu é o ateu dogmático, o homem que faz a afirmação categórica de que não há Deus. Essa afirmação pode significar uma de duas coisas: ou que ele não reconhece Deus nenhum, de nenhuma espécie, não erige nenhum ídolo para si mesmo, ou que não reconhece o Deus da escritura. Ora, há muitos poucos ateus que na vida prática não modelam alguma espécie de Deus para si próprios. Há um número muito maior daqueles que teoricamente põem de lado todo e qualquer deus; e um número ainda maior dos que romperam com o Deus da Escritura.
O ateísmo teórico geralmente está arraigado em
alguma teoria científica ou filosófica. O monismo materialista, em suas várias
formas, e o ateísmo normalmente andam de mãos dadas. O idealismo subjetivo
absoluto pode ainda deixar-nos a idéia de Deus, mas nega que haja qualquer
realidade que lhe corresponda. Para o humanista moderno “Deus” simplesmente
significa “o espírito da humanidade”, “o sentimento de integralidade”, “meta
racial” e outras abstrações desta espécie. Outras teorias não somente dão lugar
a Deus; também pretendem manter a sua existência, mas certamente excluem o Deus
do teísmo, um Ser pessoal supremo, o Criador, o Preservador, e o Governador do
Universo, distinto de Sua criação e, contudo, em toda parte presente nela. O
panteísmo funde o natural e o sobrenatural, o finito e o infinito numa só
substância. Muitas vezes fala de Deus como base oculta do mundo fenomenal, mas
não O concebe como pessoal e, portanto dotado, como dotado de inteligência e
vontade. Ousadamente declara que tudo é Deus, assim se envolve naquilo a que
Brightman chama “a expansão de Deus”, de modo que temos “muito de Deus”, visto
que Ele inclui também todo o mal do mundo. Isto exclui o Deus da escritura, e
até aqui claramente ateísta. Spinoza pode ser chamado “O homem intoxicado por
Deus”, mas o seu Deus certamente não é o Deus que os cristãos cultuam e adoram.
Seguramente, não pode haver dúvida da presença de ateus teóricos no mundo.
Quando David Hume expressou dúvida a respeito da existência de um ateu
dogmático, o Barão d‟Holbach replicou: “Meu caro senhor, neste momento estais
sentado à mesa na companhia de dezessete pessoas dessa classe”. Os que são
agnósticos quanto à existência de Deus podem diferir um tanto do ateu
dogmático, mas eles, como estes últimos, deixam-nos sem Deus.
2. FALSOS CONCEITOS ATUAIS DE DEUS QUE
ENVOLVEM NEGAÇÃO DO VERDADEIRO DEUS.
Em nossos dias há vários conceitos falsos de
Deus, conceitos que envolvem a negação do conceito teísta de Deus. Basta nesta
conexão uma breve indicação dos mais importantes destes falsos conceitos.
a. Um Deus imanente e impessoal.
O teísmo sempre acreditou num Deus que é
transcendente e imanente. O deísmo retirou deus do mundo, e deu ênfase à Sua
transcendência, em detrimento da Sua imanência. Sob a influência do panteísmo,
porém o pêndulo pendeu noutra direção. Identificou Deus com o mundo e não
reconheceu um Ser divino distinto da Sua criação e infinitamente exaltado acima
dela. Por intermédio de Schleiermacher, a tendência de fazer Deus um Ser em
linha de continuidade com o mundo obteve um ponto de apoio na teologia. Ele
ignora completamente o Deus transcendente e só reconhece um Deus que pode ser
conhecido pela experiência humana e se manifesta na consciência cristã como
causalidade absoluta, à qual corresponde um sentimento de dependência absoluta.
Os atributos que atribuímos a Deus, são, nesta maneira de ver, meras expressões
simbólicas dos vários modos assumidos por este sentimento de dependência, idéias
subjetivas sem nenhuma realidade correspondente. Suas representações de Deus
mais antigas e posteriores parecem diferir um pouco, e os intérpretes de
Schleiermacher diferem quanto à maneira pela qual as suas afirmações devam ser
harmonizadas. Contudo, Brunner parece estar certo quando diz que, para
Schleiermacher, o universo toma o lugar de Deus, embora seja usado este último
nome; e que ele concebe a Deus como idêntico ao universo e como a unidade
subjacente ao universo. Muitas vezes parece que a distinção entre o mundo como
uma unidade e o mundo em suas multiformes manifestações. Ele fala muitas vezes
de deus como o “Universum” ou o “Welt-All”, e argumenta contra a personalidade
de Deus; apesar disso, incoerentemente, fala como se pudéssemos Ter comunhão
com Ele em Cristo. Estas opiniões de Schleiermacher, fazendo de Deus um Ser em
linha de continuidade com o mundo, dominou grandemente a teologia do século
passado, e é esta opinião que Barth combate com a sua forte ênfase a Deus como
“O Totalmente Outro”.
b. Um Deus finito e pessoal.
A idéia de um Deus finito ou deuses finitos não
é nova; é tão antiga como politeísmo e o henoteísmo. A idéias harmoniza-se com
o pluralismo, não porém com o monismo filosófico bem com o monoteísmo
teológico. O teísmo sempre considerou Deus como um Ser pessoal, absoluto, de
perfeições infinitas. Durante o século XIX, quando a filosofia monística estava
em ascendência, tornou-se comum identificar o Deus da teologia com o Absoluto
da filosofia. Mais para o fim do século, porém, o termo “Absoluto”, como uma
designação para Deus, caiu em descrédito, em parte por causa de suas
implicações agnósticas e panteísticas, e em parte como resultado da oposição à
idéia do “Absoluto” na filosofia, e do desejo de excluir toda metafísica da teologia.
Bradley considerava o deus da religião cristã como uma parte do Absoluto, e
James defendia um conceito de Deus que estava mais em harmonia com a
experiência humana de que com a idéia de um Deus infinito. Ele elimina de Deus
os atributos metafísicos de auto- existência, infinidade e imutabilidade, e
declara supremos os atributos morais. Deus tem um meio-ambiente, existe no
tempo, e elabora uma história exatamente como nós o fazemos. Em vista do mal
existente no mundo, Ele deve ser imaginado como limitado em conhecimento ou no
poder, ou em ambos. As condições do mundo tornam impossível crer num Deus
bondoso, infinito em conhecimento e poder. A existência de um poder superior
amistoso para com o homem e com o qual este pode comungar satisfaz todas as
necessidades e experiências práticas da religião. James concebia este poder
como pessoal, mas não desejava expressar-se como se acreditasse num Deus finito
ou em vários deuses finitos. Bergson acrescentou a este conceito de James a
idéia de um Deus em luta e em crescimento, constantemente envolvendo em seu
meio-ambiente. Outros que defendiam a idéias de um Deus finito, embora de
diferentes maneiras, são Hobhouse, Shiller, James Ward, Rashdall e H.G. Wells.
c. Deus como personificação de uma
simples idéia abstrata.
Ficou muito em voga na moderna teologia “liberal” considerar o nome de “Deus” como um simples símbolo, representando algum processo cósmico, uma vontade ou poder universal, ou um ideal elevado e abrangente. Repete-se com freqüência a afirmação de que, se Deus criou o homem à Sua imagem, o homem agora está devolvendo o cumprimento criando a Deus à imagem do homem. Diz-se a respeito de Harry Elmer Barnes que uma vez ele disse numa de suas aulas de laboratório: “Cavalheiros, agora vamos criar Deus”. Essa foi uma rude expressão de uma idéia muito comum. A maioria dos que rejeitam o conceito teísta de Deus ainda professa fé em Deus, mas este é um Deus de sua própria imaginação. A forma que ele assume numa ocasião particular depende, segundo Shailer Matthews dos atuais modelos de pensamento. Nos tempos anteriores à guerra, o padrão dominante era o de um soberano autocrático, que exigia obediência absoluta; agora é o de um governante democrático, disposto a servir a todos que lhe estão subordinados. Desde os dias de Comte tem havido a tendência de personificar a ordem social da humanidade como um todo e de cultuar esta personificação. Os assim chamados melhoristas ou teólogos sociais revelam a tendência de identificar Deus de algum modo com a ordem social
E os neopsicologistas dizem-nos que a idéia de
Deus é uma projeção da mente humana, que em seus primeiros estágios é inclinada
a formar imagens de suas experiências e a revesti-las de uma
semi-personalidade. Leuba é de opinião que esta ilusão de Deus não será necessária.
Umas poucas definições servirão para mostrar as tendências dos dias presentes.
“Deus é o espírito imanente da comunidade” (Royce). Deus “é aquela qualidade da
sociedade humana em desenvolvimento” (E. S. Ames). “A palavra „deus‟ é um
símbolo para designar o universo em sua capacidade ideal de formação” (C.B.
Foster). “Deus é o nosso conceito, nascido da experiência social, dos elementos
que desenvolvem personalidade e os elementos de explicação pessoal do nosso
ambiente cósmico, como o qual estamos organicamente relacionados” (Shailer
Matthews). Mal se precisa dizer que o Deus assim definido não é um Deus pessoal
e não responde às necessidades mais profundas do coração humano.
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