V. Os atributos de Deus
em geral
B. Método de Determinação dos Atributos
de Deus.
Em sua tentativa de elaborara um sistema de
teologia natural, os escolásticos firmaram três modos pelos quais determinar os
atributos de Deus, modos que eles denominam via causalitatis, via negationis e
eminentiae. Pela via da causalidade subimos dos efeitos que vemos no mundo que
nos cerca para a idéia de uma Causa primeira, da contemplação da criação para a
idéia de um onipotente Criador, e da observação do governo moral mundo para a
idéia de um Governante poderoso e sábio. Pela via da negação retiramos de nossa
idéia de Deus todas as imperfeições vistas em Suas criaturas, como incoerentes
com a idéia de um Ser Perfeito, e Lhe atribuímos as respectivas perfeições
opostas.
Apoiados neste princípio, dizemos que Deus é
independente, infinito, incorpóreo, imenso, imortal e incompreensível. E
finalmente, pela via da eminência atribuímos a Deus, de modo o mais eminente,
as perfeições relativas que descobrimos no homem, segundo o princípio de que o
que existe num efeito, preexiste em sua causa, e ainda, no sentido mais
absoluto, em Deus como ser perfeitíssimo. Este método pode atrair alguns,
porque parte do conhecido para o desconhecido, mas não é o método apropriado
para a teologia dogmática. Tem como ponto de partida o homem e tira suas
conclusões partindo daquilo que ele encontra no homem para o que se acha em
Deus. E, na medida em que age deste modo, faz o homem a medida de Deus.
Certamente não é um modo de proceder teológico. Além de tudo mais, baseia o seu
conhecimento de Deus em conclusões humanas, em vez de baseá-lo na
auto-revelação de Deus em Sua palavra divina. Ora, é esta a única fonte
adequada de conhecimento de Deus. Conquanto se possa seguir aquele método na
teologia natural, assim chamada, não se enquadra numa teologia da revelação.
Pode-se dizer a mesma coisa dos métodos
sugeridos pelos representantes modernos da teologia experimental. Um exemplo
típico disto pode-se ver na Theology as na Empirical Science, de Macintosh. Ele
também fala de três procedimentos metodológicos. Podemos começar com nossas
intuições da realidade de Deus, aquelas certezas que independem do raciocínio e
que se acham firmemente arraigadas na experiência imediata. Uma delas é a de
que o Objeto da nossa confiança religiosa é absolutamente suficiente para as das
nossas necessidades imperativas. Em especial, pode-se tirar deduções da vida de
Jesus e das “Semelhanças de Cristo” em toda parte. Também podemos ter nosso
ponto de partida, não nas certezas do homem, mas em suas necessidades. O
postulado praticamente necessário é que Deus é absolutamente suficiente e
absolutamente confiável com referência às necessidades religiosas do homem.
Sobre esta base o homem pode construir a sua doutrina dos atributos de Deus. E,
finalmente, também é possível seguir um método mais pragmático, que repousa no
princípio de que, até certo ponto, podemos aprender o que são as coisas e as
pessoas, além do que percebemos imediatamente o que são, observando o que elas
fazem. Macintosh acha necessário usar os três métodos.
Ritschl pretende que partamos da idéias de que
Deus é amor, e gostaria que indagássemos o que é que está envolvido nessa idéia
sumamente característica de Deus. Desde que o amor é pessoal, implica a
personalidade de Deus e, assim, dá-nos um princípio para a interpretação do
mundo e da vida do homem. O pensamento de que Deus é amor leva consigo a
convicção de Ele pode realizar o Seu propósito de amor, isto é, de que a Sua
vontade é supremamente efetiva no mundo. Isto dá a idéia de um Criador
todo-poderoso. E, em virtude deste pensamento básico, afirmamos também a
eternidade de Deus, desde que, dominando todas as coisas para a concretização
do Seu reino, Ele vê o fim desde o princípio. Com engenho um tanto similar, diz
o Dr. W. A. Brown: “Obtemos o nosso conhecimento dos atributos analisando a
idéia de Deus, que já recebemos da revelação em Cristo; e os dispomos de molde
a levar os traços distintivos dessa idéia à sua mais clara expressão”
Todos esses métodos têm seu ponto de partida na
experiência humana, e não na Palavra de Deus. Deliberadamente ignoram a clara
revelação que Deus nos dá de Si na Escritura e exaltam a idéia do descobrimento
humano de Deus. Os que se apóiam em tais métodos têm uma idéia exagerada da sua
capacidade de revelar Deus e de determinar a natureza de Deus indutivamente,
mediante “métodos científicos” reconhecidos. Ao mesmo tempo, fecham os olhos
para a única avenida pela qual poderiam obter real conhecimento de Deu, a
saber, a Sua revelação especial, evidentemente esquecidos do fato de que
somente o Espírito de Deus pode sondar e revelar as profundezas de Deus, e
no-las revelar. O próprio método de que se utilizam os compele a arrastar Deus
para baixo, ao nível do homem, a salientar a Sua imanência em detrimento da Sua
transcendência, e a fazer dele um Ser em continuidade com o mundo. E como
resultado final da sua filosofia, temos um Deus feito à imagem do homem.
William James condena todo intelectualismo em religião e sustenta que a
filosofia, na forma de teologia escolástica, falha tão completamente na
tentativa de definir os atributos de Deus cientificamente, como na de
estabelecer a Sua existência. Após apelar para o livro de Jó, diz ele: “O
raciocínio é um caminho relativamente superficial e irreal para a Divindade”.
James conclui a sua discussão com estas significativas palavras: “com toda
sinceridade, penso que devemos concluir que a tentativa de demonstrar, por meio
de processos puramente intelectuais, a veracidade das comunicações e
experiências religiosas diretas, é absolutamente frustrante”.
Ele tem mais confiança no método pragmático que
procura um Deus que satisfaça as necessidades práticas do homem. Em sua
opinião, é suficiente crer que “além de cada homem e de maneira contínua com
ele, existe um poder maior que lhe é amistoso, a ele e aos seus ideais. Tudo
que os fatos exigem é que o poder seja diverso maior que o nosso ser pessoal
consciente. Qualquer coisa maior servirá, se tão somente for bastante grande
para inspirar confiança para o próximo passo. Não precisa ser infinito, não
precisa ser solitário. Poderia até, concebivelmente, ser apenas um ser um pouco
maior e mais divino, um ser do qual o atual seria então uma expressão mutilada,
e, concebivelmente, o universo poderia ser uma reunião de tais seres, de
diferente grau e inclusivamente, sem nenhuma unidade absoluta nela presente de
fato”. Assim, o que nos deixa é a idéia de um Deus finito.
A única maneira apropriada pela qual obter
conhecimento dos atributos divinos perfeitamente confiável é o estudo da
auto-revelação de Deus na Escritura. É na verdade que podemos adquirir algum
conhecimento da grandeza e poder de Deus, de Sua sabedoria e bondade, pelo
estudo da natureza, mas para uma adequada concepção, mesmo destes atributos,
será necessário voltar-nos para a palavra de Deus. Na teologia da revelação
procuramos aprender da palavra de Deus quais são os atributos do Ser Divino. O
homem não pode extrair conhecimento de Si ao homem, conhecimento que o homem
pode somente aceitar e assimilar. Naturalmente, para a apropriação e
entendimento deste conhecimento revelado, é da maior importância que o homem
tenha sido criado à imagem de Deus e, portanto, encontre úteis analogias em sua
própria vida. Em distinção do método a priori dos escolásticos, que deduziam os
atributos da idéia de um Ser perfeito, este método pode ser denominado a
posteriori, desde que toma o seu ponto de partida, não num Ser perfeito e
abstrato, mas na plenitude da auto-revelação divina, e, à luz desta, procura
conhecer o Ser Divino.
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