Teologia, orgulho e humildade

 

Teologia, orgulho e humildade



 

Embora representando diferentes gerações teológicas, Thomas Kempis e John Stott convergem no mesmo pensamento antitético ao intelectualismo teológico estéril. Suas perspectivas denunciam o academicismo sem resultados no interior humano como o conhecimento sem o verdadeiro sentido. Em outras palavras, a formação teológica existe como um processo para alimentar tanto a mente quanto a alma. Portanto, o contexto contemporâneo pragmático no qual vivemos hoje nos obriga a considerar a imprescindibilidade da formação espiritual no treinamento teológico.

Desde a antiguidade o intelectualismo tem sido visto como uma fonte inesgotável para se alcançar o poder. Neste sentido, a teologia como mero produto ou manifestação de conhecimento também tem sido utilizada como um meio para  prestígio e domínio. Kempis e Stott não se propuseram a lidar com a teologia simplesmente a partir do seu aspecto moral, mas se viram comprometidos a explorar a necessidade de um relacionamento entre a criatura e o Ser Divino, mediante o conhecimento obtido dEle. Como exemplo, a cristologia deve ser concebida além de um assentimento intelectual, pois sua prática deve induzir o estudante a uma relação com o próprio Cristo. Quanto mais se conhece a respeito dEle nas Escrituras, mais vívida e intrínseca se torna a experiência com o Deus encarnado. A ética cristã também passa a ser entendida e vivenciada como um fonte da ética, virtudes e valores que emanam da própria vida que vem de Cristo, e não simplesmente como um conjunto de preceitos ou princípios que compõem um disciplina acadêmica de cunho moral. Cristo é mais do que uma doutrina ou um modelo a ser seguido, Ele é uma pessoa cujas virtudes e valores são produzidas de dentro para fora no cristão. Em outras palavras, se cristologia também implica em salvação interior, o ensino de Cristo produzirá atitudes, ações, intensões, reações e escolhas segundo a vida com Ele.

Em Pride, Humility and God, Stott endossa o conceito de que o novo nascimento traz consigo a destituição do egoísmo humano. Citando Richard Baxter, “a humildade não é um mero ornamento de um cristão, mas uma parte essencial da nova criatura” , Stott sublinha que a teologia não pode justificar qualquer tipo de orgulho porque a própria história da salvação revela a destruição do orgulho através da encarnação e obra expiatória do Santo Filho de Deus. Para ele, o orgulho não diz respeito exclusivamente a um dos pecados capitais, na verdade, o “o orgulho é em si a essência de todo o pecado”.  O relato bíblico nos leva a tal asseveração. O rei de Tiro, comumente aludindo ao próprio Lúcifer, é descrito como alguém cujo coração elevou-se devido a sua formosura e cuja sabedoria corrompeu-se devido ao seu replendor (Ez 28.17). Da mesma maneira, o profeta Isaías denuncia as intenções do coração do rei babilônico: “tu dizias no teu coração: eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono e no monte da congregação me assentarei… subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo” (Is 14.13-14). A cena do Éden alimenta o orgulho humano através da possibilidade da criatura enxergar-se a si mesmo como o Criador, conhecendo tanto o bem quanto o mal (Gn 3.5). Os mesmos pecados identificados entre o povo de Israel e entre as nações pagãs do Antigo Testamento podem hoje encontrar portas abertas quando o propósito teológico apenas enfatiza “cabeça” desprovida de “coração”. Nesta condição o orgulho do conhecimento produz autoconfiança, ganância, arrogância e desejo pelo poder, prestígio e posse. De acordo com Stott todos os demais pecados nascem do orgulho. O orgulho serve como divisor de águas entre os que, de fato, conhecem verdadeiramente a Deus e os que pensam que o conhecem, pois, “nada mais impede que pessoas fiquem fora do Reino de Deus do que o orgulho”. A humildade triunfará sobre o intelectualismo e o pragmatismo divorciados da espiritualidade.

No clássico A Imitação de Cristo,Thomas Kempis não apenas retrata a busca pela espiritualidade monástica do século XV como rígida expressão do rompimento com o secularismo da moral e do conhecimento, quanto desafia a razão a encontrar seu sentido nas profundezas de Deus. Em certo sentido o conhecimento de Deus é obtido, mas também experimentado. É contra a aceitação de um intelectualismo vazio de devoção que Kempis enfatiza que “preferia sentir contrição do que ser capaz de defini-la”.  Para ele, o orgulho intelectual sempre rejeita a humildade. O conhecimento movido pelo orgulho, ao invés de levar o homem a enxergar a sua pequenez, engana a mente humana com falácias de auto grandeza e entendimento do infinito. Nas palavras de Kempis “é melhor um rústico humilde que serve a Deus do que um intelectual orgulhoso que negligencia a sua alma para estudar o curso das estrelas”.  Segundo A Imitação de Cristo, é a humilde leitura das Escrituras que prevalecerá sobre o nível da satisfação intelectual interessada em descobrir significados, contudo, sem intensão de sujeitar-se a eles. Segundo Kempis “a nossa curiosidade, muitas vezes impede nossa leitura das Escrituras, quando queremos entender e meditar somente sobre o que desejamos simplesmente ler”.

Uma educação teológica desprovida de humildade apenas produzirá modelos de moralidade ou religiosidade. Um erro que a educação teológica pode cometer é confundir moralidade, responsabilidade ou honestidade com uma espiritualidade genuína. Cumprimento de padrões podem revelar um coração dirigido pela vontade de Deus, mas paradoxalmente também podem externa ou condicionalmente manter práticas oriundas de orgulho, resultantes de um intelectualismo teológico alienado de qualquer temor ou relacionamento com o próprio Deus. Assim, o grande desafio para a educação teológica é a intencional retroalimentação da humildade em seus propósitos, a fim de que o processo de formação espiritual, em submissa cooperação ao poder da Palavra e da presença influenciadora do Espirito Santo na vida dos nascidos de novo, cultive os frutos da espiritualidade, piedade, integridade, equidade, justiça e santificação na vida interior dos estudantes de teologia.

 

Por: Emerson S. Pereira


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