Humanidade de Cristo

 

Humanidade de Cristo



O problema principal que distanciou o homem de Deus foi o pecado, a transgressão da lei. Após a queda, o homem não tem condições, por si só, de se achegar a Deus, de restabelecer um relacionamento com Deus. Há também um abismo moral intrínseco à humanidade que é insolúvel aos homens. Portanto, considerando estes fatores, seria preciso haver outro meio de união entre a humanidade e Deus. Isso foi feito na encarnação de Cristo que é entendida como a união da divindade com a humanidade.

Caso Jesus não tivesse sido homem a aplicabilidade de sua obra não contemplaria ao homem, pois não seria obra de homem. Assim ele não estaria pagando o pecado do homem, nem mesmo “levando suas dores” e muito menos teria validade para a reconciliação com Deus. Então, a humanidade de Jesus está diretamente relacionada com nossa salvação.

A Bíblia nos indica em vários momentos a plena humanidade de Jesus. Ele tinha um corpo como o nosso, ele nasceu como qualquer outra criança, apesar de sua concepção ter sido sobrenatural, tudo indica que desse ponto em diante Jesus se desenvolveu como qualquer outra criança. Sua vida nos mostra claramente a natureza física humana que possuía. Vemos que ele crescia “em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2.52). ele sentia fome (Mt 4.2), sede (Jo 19.28) e ficava cansado (Jo 4.6). Por fim, Jesus sofreu fisicamente e morreu. Outras características que podemos citar são as psicológicas. Jesus possuía qualidades psicológicas como qualquer outro homem. Ele pensava, raciocinava e sentia toda espécie de emoções humanas. Por exemplo, na morte de seu amigo Lázaro quando Jesus viu Maria irmã de Lázaro, e seus companheiros chorando, “agitou-se no espírito e comoveu-se” (Jo 11.33), chorou (Jo 11.35) e no túmulo “agitou-se novamente” (Jo 11.38). Com isso fica claro que Jesus podia sentir aflições tão profundas quanto nós.

Interessante também é a vida devocional de Jesus. Ele participava do culto na sinagoga regularmente (Lc 4.16). Sua vida de oração indicava sua dependência humana do Pai. Às vezes orava por longos períodos. Foi assim na noite anterior a escolha dos discípulos, após seu batismo quando foi levado ao deserto e ali permaneceu por quarenta dias se dedicando ao jejum e oração e, também no jardim do Jetsêmani antes de sua morte.

Finalizando, o próprio Jesus utilizou a palavra homem quando fazia referência a si próprio como foi no caso em que Jesus respondeu aos judeus: “mas agora procurais matar-me, a mim, homem que vos tem dito a verdade que de Deus tem ouvido” (Jo 8.40).

 

Deidade: Filho de Deus

Analisando os evangelhos podemos perceber, através das palavras e atitudes, o conceito que Jesus fazia de si mesmo. Essa observação é pertinente, pois se Jesus não se considerava Deus, como muitos afirmam, então ele não era – pois cremos em sua mensagem – no entanto, se ele deixou transparecer uma auto-afirmação divina, então é Deus.

Devemos também considerar que Jesus não disse abertamente e com todas as letras: “Eu sou Deus”, o que seria até um gesto arrogante. Mas suas alegações e atitudes seriam totalmente impróprias se fossem feitas por alguém diferente de Deus. Por exemplo: Jesus disse que enviaria “seus anjos” (Mt 13.41). Por acaso algum homem comum tem anjos sob seu domínio? Algum homem pode decretar ordens aos anjos? Mas em outras passagens os anjos são de Deus (Lc 12.8,9).

Algumas prerrogativas assumidas por Jesus são significativas. Sua atitude de perdoar pecados soou de modo terrível nos ouvidos dos seus opositores, eles até o chamaram de blasfemo, mas qual a atitude de Jesus? Ele simplesmente provou que tem poder para perdoar pecados. “Ora, para que saibais que o Filho do homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados, disse ao paralítico: a ti te digo, levanta-te, toma o teu leito, e vai para tua casa” (Mc 2.10-11). A reação dos escribas mostra o significado que eles entendiam da ação de Jesus. Isto é blasfêmia, quem pode perdoar pecados senão um que é Deus, diziam eles.

A autoridade que Jesus reivindicou é claramente manifesta na questão do sábado. O sábado era um dia santo para os judeus. Desde Moisés esta ordem era cumprida. O zelo por este mandamento era impressionante a ponto de motivar a criação de diversas tradições acerca do sábado tornando sua observância cada vez mais penosa. Com certeza não era intenção do mandamento escravizar ou punir as pessoas. Cristo veio mostrar o real significado do sábado e mostrar-se Senhor do sábado. Em uma ocasião quando os fariseus acusaram a Jesus e seus discípulos de violarem as leis do sábado Jesus responde: “O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado; de sorte que o Filho do homem é Senhor também do sábado” (Mc 2.27-28). Jesus estava na prática redefinindo o valor do sábado, algo que só é possível para alguém igual a Deus.

Admirável também é o relacionamento singular que Jesus tinha com o Pai. No evangelho de João capítulo 14 ele afirma que conhecê-lo é conhecer também o Pai; vê-lo é ver o Pai e completa afirmando que ele está no Pai e o Pai está nele! Esta comunhão única indicava que Jesus detinha uma filiação especial; proclamava a reivindicação de uma “igualdade” com Deus. Os judeus, percebendo a dimensão desta assertiva, e avessos a ela, intentaram contra Jesus: “Por isso, pois, os judeus ainda mais procuravam matá-lo, porque não somente violava o sábado, mas também dizia que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus” (Jo 5.18).

Continuando a falar sobre a divindade de Cristo, visto que essa é uma doutrina fundamental. Sem a correta compreensão dela certamente, qualquer tentativa de se conhecer o Pai será inútil. Também a salvação só será entendida e efetivamente realizada na pessoa divina de Jesus Cristo. Apesar de as Escrituras serem bem claras a esse respeito ainda é gerado confusão por parte de alguns em torno da doutrina. Como podemos então estabelecer a definitiva e inevitável conclusão de que Jesus Cristo é a Segunda Pessoa da Trindade.

A divindade de Cristo é expressa na Bíblia assim como sua humanidade. Sua humanidade é declarada naturalmente quando se atribui a ele títulos humanos, atributos humanos, ações humanas e relacionamentos humanos. Semelhantemente sua divindade é revelada da mesma maneira atribuindo-lhe títulos, atributos, ações e relacionamentos divinos.

 

 Títulos Divinos

Alguns títulos divinos são aplicados a Jesus Cristo como: “Verbo” ou Logos, “Deus”, “Senhor”, “Deus Forte”, “Pai da Eternidade”, “Emanuel” e “Filho de Deus”.

Logos denota tanto “razão” quanto “linguagem”; assim Cristo é a Expressão, o Revelador e Manifestador de Deus. O termo logos usado somente pelo apóstolo João como um nome da Segunda Pessoa, mostra a eternidade de Cristo, assim ele era no princípio, Ele estava com Deus e Ele era Deus. (Jo 1.1). Deus é o título que expressamente afirma a divindade de Jesus Cristo.

Não há nada mais explícito acerca da doutrina como as atribuições do nome Deus em relação a Jesus Cristo. O uso da designação inicia-se no Antigo Testamento e se prolonga por todo o Novo Testamento. Isaías profetizava: “Eis a voz do que clama: Preparai no deserto o caminho do Senhor, endireitai no ermo uma estrada para o nosso Deus” (Is 40.3) e ainda escreveu: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o governo estará sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz” (Is 9.6). Isaías fala daquele que viria a nascer de uma virgem e seu nome seria Emanuel. Mateus interpreta o nome Emanuel como o “Deus Conosco” (Mt 1.23) o que significa que Deus não apenas estaria presente com a humanidade, mas faria parte da própria humanidade através da encarnação.

No Novo Testamento João inicia proclamando que o Verbo era Deus. Tomé, outro discípulo de Jesus, ao ver as feridas do salvador disse: “Senhor meu e Deus meu” (Jo 20.28). Essa declaração, caso fosse falsa, seria idolatria e repreensível, contudo Cristo não o censurou. Tito o chama de grande Deus e Salvador (Tt 2.13). Pedro na introdução de sua segunda epístola afirma: “... aos que conosco alcançaram fé igualmente preciosa na justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo” (2 Pe 1.1). Utilizando quase as mesmas palavras que Tito havia atribuído a Jesus, Deus e Salvador. O apóstolo João dá outra contribuição expressiva em sua primeira carta. Ele ensina sobre a divindade de Cristo para refutar algumas heresias que circundavam a igreja e conclui com o versículo “...e nós estamos naquele que é verdadeiro, isto é, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna.” (1 Jo 5.20). Apesar de existirem muitas outras referências explícitas do título Deus se tratar de Cristo, estas nos são suficientes para compreendermos a igualdade de Deus proclamada na pessoa de Jesus Cristo.

 

 Ações Divinas

A criação de todas as coisas é diversas vezes atribuída a Jesus “Todas as coisas foram feitas por ele e nada do que foi feito sem ele se fez” (Jo 1.3). “Ele estava no mundo; e o mundo foi feito por ele, mas o mundo não o conheceu” (Jo 1.10). “Porque nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por Ele e para Ele”. Diante do exposto é difícil alguém negar que Cristo é o criador de todas as coisas. Se Ele cria, Ele é Deus.

Perdoar pecados é outra ação de Jesus. Ninguém na terra tem o direito de perdoar pecados. Os judeus foram ensinados que só Jeová podia perdoar pecados. Ele é quem “apaga as nossas transgressões” e ficaram escandalizados com esta declaração de Jesus: “Ora, para que saibais que o Filho do homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados disse então ao paralítico: levanta-te, toma o teu leito, e vai para tua casa” (Mt 9.6). Então, visto que somente Deus perdoa pecados e Cristo perdoou pecados, logo Ele é Deus.

A ressurreição dos mortos também é obra de Deus e o próprio Cristo afirmava que era a ressurreição e a vida. “Declarou-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11.25). Também era sabido que somente Deus é quem levantava os mortos. Portanto, Cristo anunciou-se a si mesmo como Deus. De fato Ele ressuscitou a muitos e no evento crucial de sua obra, após sua morte, ressurgiu reafirmando sua autoridade.

 

 Relacionamento Divino

Percebemos em Cristo um relacionamento singular estabelecido com o Pai. Ele estava no Pai e o Pai estava nEle. As palavras que dizia eram palavras do Pai. Ele manifestava a glória do Pai. Este é um relacionamento perfeito estabelecido na Trindade. O Pai é igual em essência ao Filho, o Filho igual ao Espírito. Nenhum é maior que o outro ou mais adorado que o outro. Para os que crêem no testemunho bíblico da existência triuna da divindade não pode haver dúvida de que Jesus Cristo é a Segunda Pessoa da Trindade, nem mesmo dúvidas sobre se a Segunda Pessoa, em cada aspecto, é igual à Primeira ou à Terceira. Em uma análise bíblica mais aprofundada conseguimos ver claramente as três Pessoas agindo com a mesma autoridade, com o mesmo poder e com a mesma eficácia.

Estas foram algumas considerações acerca da divindade de Cristo de forma que fica claro o fato de que Jesus Cristo é Deus.

 

União hipostática de Cristo

Conhecidas as naturezas humana e divina de Jesus, precisamos compreender a relação existente entre elas em uma única pessoa, Jesus Cristo. Esse é um dos temas mais difíceis para a Teologia, mas é de extrema importância. Compreender que o homem e Deus estavam na pessoa de Jesus Cristo é necessário para entendermos a eficácia da salvação.

Caso Jesus tivesse as duas naturezas separadas uma da outra poderíamos concluir que não haveria união entre a humanidade e a divindade e, de certa forma, o abismo que separa o homem de Deus ainda existiria e a obra de Jesus seria ineficiente. Mas esta informação contradiz as Escrituras.

A questão se complica ainda mais por tratar-se de duas naturezas que possuem atributos opostos. Enquanto a divindade é onipresente, onisciente, onipotente e infinita, a característica humana não possuía conhecimento ilimitado, não era onipresente e nem mesmo onipotente. Há uma visível limitação na parte humana. Então como entender a união de duas naturezas em uma única pessoa, Jesus. Essa é a chamada união hipostática de Cristo.

Podemos inferir através de textos bíblicos essa realidade. Existem alguns textos que aludem a humanidade e a divindade simultaneamente. “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14); “Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gl 4.4); “Aquele que foi manifestado na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória”(1Tm 3.16). Outros textos mostram a obra de Jesus e não a atribuem nem a divindade e nem a humanidade exclusivamente, mas a Jesus como um todo. “Se todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo; e ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos próprios, ainda pelos do mundo inteiro” (I Jo 2.1,2).

Essa obra de Jesus que necessita tanto da humanidade quanto da divindade é obra de uma só pessoa. É interessante notar também que algumas vezes um título divino referia-se a obra humana de Jesus e um título humano relacionava-se a uma obra divina. “Ninguém subiu ao céu, senão aquele que de lá desceu, a saber, o Filho do homem” e “nenhum dos poderosos deste século conheceu a sabedoria secreta e oculta de Deus porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da glória” (I Co 2.8).

Podemos concluir que as referências mencionadas postulam o princípio de que Jesus Cristo, uma única pessoa, é tanto homem como Deus, simultaneamente.


Controvérsias acerca da pessoa de Cristo

Na reflexão para o entendimento das duas naturezas de Cristo e o relacionamento entre elas, alguns proporam teorias que de certa forma elucidavam algum questionamento, mas se desviavam de outros princípios bíblicos pelo que não foram aceitas pela igreja. Desta forma a divindade e a humanidade de Jesus foi questionada.

 Ebionismo

De acordo com os ebionitas, Jesus era um homem comum que possuía dons incomuns, mas não sobrenaturais. Eles rejeitavam o nascimento virginal afirmando que Jesus nascera de José e Maria. No evento do batismo Jesus recebera o Cristo em forma de pomba o que se entende como o poder de Deus agindo no homem Jesus. Próximo ao final da vida de Jesus o Cristo afastou-se dele. Assim Jesus era homem, apesar de o poder de Deus agir nele, por determinado tempo de forma incomum.

O termo grego ebionaioi é a transliteração do verbo hebraico ebionim, que significa “pobres”. Os ebionistas apareceram no ano 107 da Era Cristã e eram [...] judeus-cristãos. Essa seita tinha um ensino exagerado sobre pobreza. Como judeus, eles tinham dificuldade de aceitar a divindade de Cristo – devido ao monoteísmo judaico. Não gostavam dos escrito de Paulo, pois a teologia paulina prega a justificação pela fé, e os ebionistas observaram a lei mosaica, inclusive a circuncisão. Consideravam, então, Paulo um apóstata da lei mosaica. Negavam a divindade de Jesus e o nascimento virginal, pois o Velho Testamento ordena que somente a Deus se deve adorar [... Para eles, Jesus foi um homem como outro qualquer, mas que observou a lei de forma especial, sendo assim escolhido por Deus para ser o Messias. Jesus teria sido capacitado pelo Espírito Santo, no batismo, para o cumprimento de uma tarefa divina, assim logicamente Jesus não tem como ser preexistente. Nenhum concílio condenou oficialmente o ebionismo, mas Tertuliano, Irineu, Hipólito, Eusébio e Orígenes foram opositores de grande peso. (BUENO, 2012, apud TEOLOGIA SISTAMÁTICA, 2014).

 Arianismo

O ensino de Ário, presbítero alexandrino, se baseava na singularidade e transcendência de Deus para mostrar que Jesus não era plenamente divino. Deus é a única origem de todas as coisas, a única existência não criada em todo universo. Tudo que não é Deus foi criado por ele. Só Deus é incriado e eterno. O Verbo é um ser criado, embora seja o primeiro e o mais elevado dos seres, o Verbo não tem existência própria.

Ário tinha a ideia dominante que era o princípio monoteísta, ou seja, há um só Deus eterno que não é criado, não gerado, não originado. Para Ário, o logos era um espécie de energia divina que encarnara no homem Jesus. Esse logos teve um princípio, um começo, uma criação. O verbo, numa certa altura da história, foi criado para um devido propósito, fora uma criação do nada como a criação do mundo [...] Jesus não tinha essência divina, pois o logos que estava encarnado no homem Jesus é uma criatura, a primeira criatura, feita por Deus Pai, e uma criatura não pode ter a mesma essência/substância do Criador. A criação de Jesus foi importante nessa doutrina, pois o surgimento do logos ajudou o Pai eterno na criação do mundo. Jesus é um ser mutável e foi chamado Filho de Deus devido a sua glória futura, à qual foi escolhido. O Filho não tem como ser igual ao Pai, mas está acima de outras criaturas, inclusive, inclusive o homem, por isso não e errado venerar o Filho. Ário via em Jesus um ser intermediário entre Deus e os homens, mas Deus é somente o Pai que é Uno e Indivisível. Ário abalou sua época com suas ideias, porém não com argumentos vazios, mas usou as Esrituras para apoiar as suas ideias [...] O Concílio de Niceia realizado em 325 condenou oficialmente o arianismo. (BUENO, 2012, apud TEOLOGIA SISTAMÁTICA, 2014).

 Docetismo

A carta de João é praticamente uma resposta contra o movimento doceta que estava no meio dos cristãos difundindo heresias sobre a humanidade de Jesus. O docetismo é um termo proveniente do grego dokeo que significa “parecer, passar por”. Sua tese central era que Jesus se parecia ser humano. Deus não poderia encarnar na matéria, pois, segundo eles, a matéria é inerentemente má. Um Deus puro não haveria de se “misturar” com uma influência tão corruptora. Sendo imutável, Deus não poderia passar por transformações em sua natureza, coisa que teria ocorrido no caso de uma encarnação. Então, a humanidade de Jesus era uma simples ilusão; ele era mais como um fantasma, uma aparição do que ser humano.

O docetismo [...] tem uma grande ligação com o gnosticismo que já havia aparecido desde a época apostólica. Docetismo é uma palavra que vem do grego, docew, que significa “parecer”. Essa referência grega dizia respeito ao corpo aprisionado pelo aeon (poder angelical), em que esse corpo é um fantasma ou uma sombra, não um corpo verdadeiro e real como de um ser humano qualquer. Para os gnósticos, a metéria é ruim, e o logos, que é o aeon, [...] não se envolveria com a matéria, que é o princípio do pecado. Por isso Cristo parecia estar numa matéria carnal, mas na verdade ele era diferente. Cristo era bom e a matéria é essencialmente má, não havendo possibilidade de união entre o logos e um corpo terreno. Os docetas, crendo assim, negavam a humanidade de Jesus, dizendo que ele parecia ser humano, mas era divino. Não houve uma condenação oficial a esse pensamento, mas Irineu e Hipólito foram os opositores dessa ideia filosófica grega e pagã da época, mas que foi introduzida na Igreja daqueles tempos. (BUENO, 2012, apud TEOLOGIA SISTAMÁTICA, 2014).

 Apolinarismo

Apolinário era bispo sírio do século IV. No raciocínio de Apolinário, se Jesus tinha duas naturezas, então era necessário ele ter uma alma, mente (nous) humana e uma nous divina. Tal coisa seria impossível. Então Apolinário formula sua Cristologia com base em Jo 1.14 “o Verbo se fez carne” e conclui, numa leitura radical, que a carne era o único aspecto envolvido na natureza humana. Assim, Jesus era composto de uma parte humana (carne) e de uma mente, razão divina. O logos divino assumiu o lugar da alma humana. Então Jesus era humano fisicamente, mas não psicologicamente.

A exemplo das questões discutidas anteriormente, a união hipostática de Jesus Cristo sofreu devido a posições errôneas que eram propagadas.

Para Apolinário, a natureza humana de Jesus tinha qualidades divinas, pois o logos é da mesma substância do Pai, não tendo como haver uma espécie de simbiose entre duas naturezas totalmente opostas. Jesus Cristo não teria então herança genética de Maria, pois se assim fosse, sua carne [...] seria como a dos homens comuns, mas ele trouxe do céu uma [...] carne celestial; o ventre de Maria seria apenas um lugar para o desenvolvimento do feto. (BUENO, 2012, apud TEOLOGIA SISTAMÁTICA, 2014)

 Nestorianismo

Nestório, patriarca de Constantinopla, observou que Deus não pode ter uma mãe e certamente nenhuma criatura poderia ter gerado a divindade. Maria, na verdade teria gerado um homem que era veículo para Deus. Embora Nestório não defendesse conscientemente ou ensinasse abertamente a divisão da pessoa de Cristo, foi isso que ele deixou transparecer implicitamente. Das afirmações de Nestório surgiu o atual quadro do nestorianismo como heresia que divide o Deus-homem em duas partes distintas.

Nestório via o divino e o humano como antítese. Ele, na verdade, foi defensor da teologia de Antioquia, que ensinava que as naturezas divina e humana presentes na pessoa de Cristo não podem ser confundidas, pois elas não se fundem, acontecendo na realidade ter Cristo duas partes ou divisões, uma humana e outra divina. Essa teoria explica que quando Cristo tinha fome, era a parte humana que estava em ação, mas quando Jesus andou por sobre as águas ou fez milagres, o que estava em ação era a parte divina. Jesus, então, era uma pessoa dividida em duas partes com operações parceladas. A ideia de que Cristo agia com toda sua personalidade era inaceitável para Nestório. Outra questão entre Nestório e seu opositor Cirilo de Alexandria fora sobre a expressão THEÓTOKOS, pois para Nestório, Maria deu à luz ao descendente de Davi, no qual o logos residiu, por isso seria errado dizer que Maria é mãe de Deus, ou seja, Maria fora mãe da parte humana de Jesus, sendo assim impossível ela ser mãe da parte divina, em que está a divindade de Jesus. Nestório preferia a expressão XRISTOTOKOS. (BUENO, 2012, apud TEOLOGIA SISTAMÁTICA, 2014)

 Eutiquianismo

Eutiques declarou que Jesus Cristo após a encarnação possuía uma única natureza, a de Deus feito carne tornada humana. Embora rejeitasse a ideia de duas naturezas, Eutiques concordava com o nascimento virginal e afirmava que Cristo era Deus perfeito e homem simultaneamente, o que, dá um ar de confusão. Sua alegação é que havia duas naturezas antes da encarnação e depois apenas uma. Essa ideia deu corpo a um movimento que ensinava que a humanidade de Jesus era de tal forma absorvida pela divindade que ficava praticamente eliminada.

Essa teoria ensinava que, devido à encarnação do logos, a natureza humana de Jesus fora absorvida pela divina, tornando Jesus Cristo um homem especial, ou seja, a humanidade de Cristo era diferente de um homem comum, isso em nível de essência. (BUENO, 2012, apud TEOLOGIA SISTAMÁTICA, 2014).


Não podemos deixar de citar, ainda que rapidamente, duas outras heresias comuns a respeito do ser de Jesus Cristo. Trata-se do monofisismo e o monotelismo. No monofisismo a própria morfologia da palavra já indica do que se trata, monos = único e physis = natureza, ou seja, Cristo tem uma só natureza, que é composta. Afirma-se que uma energia única uniu as duas naturezas tão perfeitamente de forma que não restou distinção entre as duas naturezas. Ou ainda, a humanidade de Cristo foi transformada pela divindade, havendo um espécie de simbiose, fazendo de Jesus um homem impecável e divino, ou seja, a parte físico-humana de Jesus foi transformada numa natureza divina. No monotelismo, do grego, monos = único e qelhsis = vontade, traz a ideia de que a vontade pertence a pessoa e não à natureza. Assim, Cristo tinha apenas uma vontade, negando que tinha vontade humana.


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