Hermenêutica – Generalidades

 

Hermenêutica – Generalidades

 


A palavra “Hermenêutica” vem do termo grego “hermeneúo” que significa “interpretar”. A Hermenêutica é a disciplina que ensina as regras para interpretar um livro, um texto, e, nesse caso especial, o texto bíblico. Em uma outra definição, J. Severino Croatto diz que “ Hermenêutica é a ciência da compreensão do sentido que o homem traz para sua vida prática interpretando a mesma através da palavra, de um texto ou de outras práticas... Toda ação humana se converte em sinal que precisa ser decodificado; com maior razão se é o próprio Deus quem confere um sentido aos acontecimentos.” Para Paul Ricoeur “ A hermenêutica é a teoria das operações de compreensão em sua relação com a interpretação dos textos.”

 A Hermenêutica abarca, de forma especial, as regras de interpretação que procedem do estudo das características da linguagem humana em geral e de toda a classe de escritos humanos, tanto profanos quanto sagrados. Toda linguagem humana tem seu próprio gênio e idiossincrasias que não conseguem ser definidos em uma tradução literal para outra língua. São modismos, provérbios, idiotismos, peculiaridades gramaticais, referências a costumes locais, os quais poderiam causar problemas de interpretação para aqueles que procuram entender o significado original que o autor quis comunicar, lendo agora em outro idioma. O problema aumenta com relação aos textos bíblicos, visto que o tempo que nos separa dos escritos originais é grande e só há algumas décadas é que os judeus recuperaram seu idioma a nível nacional com a instalação do novo Estado de Israel. Assim, por muitos séculos o hebraico foi uma língua morta, embora preservada nos círculos rabínicos graças ao desenvolvimento do texto massorético. Isto torna as ferramentas da hermenêutica ainda mais importantes e necessárias.

Ainda sobre essa vertente, Paul Ricoeur identificou três necessidades do estudo hermenêutico, salientando assim a sua importância:

• A palavra que em princípio foi “pregada”, “falada” e, desde então, enquadrada em formas conceptuais, se transformou, por sua vez, em letra, texto, o que limita-se agora ao processo de canonização. Os cristãos possuem então não um testamento, mas dois testamentos para interpretar. O desafio agora é o do retorno à “palavra” que está antes do texto.

• Existe uma distância cultural (já abordada acima) entre a época das escrituras e a nossa época. Uma das funções da hermenêutica consiste em vencer essa distância cultural para permitir a manifestação na cultura presente daquilo que foi dito em outra cultura e que não é mais do nosso tempo.

• Depois da influência do Racionalismo e do movimento de crítica bíblica o que ficou do texto bíblico foi um sentido de profano ou de um texto qualquer. Entretanto, para o cristão a Bíblia tem um valor particular e o desafio do pós-modernismo é o de compreender e aplicar aquilo que se constitui em “proclamação” a partir de um texto que teve suas passagens dissecadas através do método crítico.

Acrescente-se a isto o fato de que os dias hodiernos apresentam como característica a proliferação de “teologias” de pouca profundidade, nas quais o texto bíblico deixa de ser o ponto de partida e se torna um mero instrumento de confirmação de idéias preestabelecidas, gerando uma distorção da mensagem do texto pelo desprezo ao contexto. As partes básicas da Hermenêutica (No cap.IV, estudaremos mais detidamente cada uma destas partes) são:

• Noemática (do grego noema, “ pensamento”, “sentido”) – constitui-se no estudo dos diversos significados com que o pensamento bíblico é expresso;

• Heurística (do grego heurisko, “achar”, “encontrar”) – é a parte que estuda as ferramentas que serão utilizadas para o encontro dos diversos significados da escritura;

• Proforística (do latim profero, “tirar”, “apresentar”) – é o modo de expor os significados contidos na Bíblia.

Filosoficamente, a Hermenêutica se desenvolveu a partir de três momentos: A compreensão (subtilitas intelligendi), a interpretação (subtilitas explicandi) e a aplicação (subtilitas applicandi). A expressão “subtilitas” denota que se trata muito mais de um saber fazer (know how) que de um método propriamente, o que demandaria não apenas um conhecimento teórico, mas também uma habilidade especial.

Embora estes três conceitos tenham surgido e se desenvolvido progressivamente, hoje são vistos como complementares, estando claro que os dois primeiros são interativos e interdependentes. De acordo com Gadamer: “A interpretação não é um ato complementar e posterior à compreensão, mas compreender é sempre interpretar e, consequentemente, a interpretação é a forma explícita da compreensão”. Embora distinta destes dois elementos, a aplicação é vista hoje como tão imprescindível à Hermenêutica quanto a interpretação e a compreensão. Isto adquire significado ainda maior quando se refere ao estudo das Escrituras onde, muito mais do que um documento a ser dissecado, encontramos uma mensagem a ser transmitida.

É importante também que se faça a distinção entre Hermenêutica e Exegese: Enquanto a primeira é uma ciência que, conforme já foi visto, inclui todo o processo que vai da leitura à aplicação, a exegese consiste na utilização prática de ferramentas da Hermenêutica para o resgate do mundo original do texto. Segundo Croatto, “ ...a exegese ...procura identificar o sentido do texto, perquirindo o que há ‘por trás’ ( autor, tradições, figuras literárias anteriores ), enquanto que a hermenêutica soma a compreensão do sentido que está ‘adiante’ do texto”.5

A partir de então, deve-se examinar a história da interpretação bíblica a partir dos primórdios do rabinismo. Para tanto, deve-se levar em consideração raízes históricas fundamentais encontradas em Platão e em Heráclito. O primeiro, cerca de 428 AC, em Atenas, partiu do conceito de “Mundo das Idéias”, a partir do qual elaborou o conceito de símbolo e mito. Verdades espirituais eram representadas por alegorias, figuras muito utilizadas também no texto sagrado. Heráclito de Éfeso, entre 540 e 480 AC, estabeleceu o conceito de “huponóia” (sentido mais profundo), cujo objetivo inicial era abordar as obras de Homero, fugindo das implicações óbvias de se interpretar literalmente o que ele escreveu acerca dos deuses gregos (A Odisséia; Ilíada). Observa-se então que a preocupação hermenêutica é antiga. Veremos então como essas raízes históricas encontram eco nos caminhos percorridos pelas hermenêuticas judaica e cristã.


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