A águia, e o Mito da sua Renovação.

 A águia, e o Mito da sua Renovação.


 

À época do apóstolo Paulo a exposição de fábulas em meio aos cristãos já ganhava notoriedade, tanto que ele alertou os irmãos Timóteo e Tito, a quem incumbia o cuidado de algumas igrejas, acerca dos ‘mitos’ que circulavam entre os primeiros cristãos.

“Nem se deem a fábulas ou a genealogias intermináveis, que mais produzem questões do que edificação de Deus, que consiste na fé; assim o faço agora (…) Mas rejeita as fábulas profanas e de velhas e exercita-te a ti mesmo em piedade” (1 Tm 1:4 e 4:7);

“Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências; e desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas” (2 Tm 4:4);

“Não dando ouvidos às fábulas judaicas, nem aos mandamentos de homens, que se desviam da verdade” (Tt 1:14).

A questão é seríssima, pois, o apóstolo Pedro lembra que o poder de Cristo e a sua vinda não foi anunciado aos irmãos através de estórias inventadas (fábulas artificialmente compostas), antes, os apóstolos viram a majestade de Cristo e, por isso, tornaram notório aos homens quem era Jesus de Nazaré: o Filho de Deus (2 Pe 1:17).

“Porque não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente compostas; mas, nós mesmos vimos a sua majestade” (2 Pe 1:16; 1Jo 1:3).

Vale destacar que, lá pelos idos do século VI a. C., viveu entre os gregos um escravo que foi liberto pelo seu senhor: Esopo, um hábil contador de estórias, cujos personagens eram animais e que se encerrava com uma deixa de cunho moral. Esopo foi citado por vários escritores como Heródoto, Aristófanes e Platão e várias de suas estórias foram editadas e citadas por diversos autores.

Muitos escritos judaicos sofreram forte influência das filosofias e dos ensinos pagãos que, pela tradição dos anciãos, foram incorporados à chamada lei oral e, por fim, ao Talmude. Os escritos apócrifos possuem inúmeras estórias fictícias, produto da imaginação humana, mas que utilizam personagens bíblicos como Moisés, Daniel, etc.

Os apóstolos Paulo e Pedro alertam os cristãos contra os mitos judaicos, ou seja, as suas invenções, que tinham por base genealogias, filosofias, mandamentos de homens, misticismo, etc., mas, apesar do alerta, a quantidade de fábulas que, em nossos dias, circulam em meio aos cristãos, é surpreendente.

Dentre elas, destaco a estória da renovação da águia, de autoria desconhecida e muito divulgada nos círculos cristãos, em redes sociais, e, até mesmo, em sermões.

 

O renovo da águia

A primeira informação que o mito da renovação da águia apresenta é acerca da longevidade desse predador: de que a águia possui a maior longevidade entre as aves e, que a média de expectativa de vida de uma águia é de 70 anos. Fontes mais confiáveis afirmam que a média de expectativa de vida da maioria das águias, dependendo da espécie, é de 30 anos, e que grandes águias e abutres podem viver em cativeiro até 60 anos.

As asserções seguintes, acerca do renovo da águia, são mais absurdas ainda, pois dá conta que, para atingir a casa dos 70 anos, primeiro a águia precisa tomar uma difícil decisão. Ora, sabemos que os animais, em determinadas fases do seu desenvolvimento, adotam comportamento instintivo, portanto, é temeroso o argumento de que um animal deve tomar uma decisão e com um complicador: uma decisão séria e difícil.

A descrição que fazem de uma águia quando envelhece é descabida, pois as unhas de qualquer animal, quando na natureza, são afiadas pelo uso, e, com o passar do tempo, se fortalecem ainda mais. O mesmo principio se aplica ao bico, uma estrutura de queratina com crescimento continuo durante a vida da ave.

Se uma ave de rapina, pela velhice, não consegue agarrar uma presa, não é porque suas unhas se tornaram flexíveis, antes a causa está na falta de agilidade decorrente da debilidade muscular que é próprio à velhice.

As considerações acerca das asas, de que elas se tornam pesadas, em função das penas envelhecidas pelo tempo, também são descabidas, pelas imprecisões terminológicas. Ave alguma arranca as suas penas para renová-las, o que pode ocorrer em função de alguma patologia como o estresse, o que pode ocorrer quando uma ave está em cativeiro.

A águia, como todas as aves, troca as suas penas ao longo da vida, num processo denominado ‘muda’, o que depende do clima, alimentação, período de reprodução, etc., nunca por uma decisão que envolva intencionalidade ou instinto.

A descrição do processo de renovação que o mito da águia apresenta, não encontra paralelo na natureza. Não há achados de penas, bicos ou unhas de águias que comprovem que elas se renovam quando se refugiam no alto dos picos das montanhas, em ninhos construídos próximos a um paredão de pedras.

As aves, geralmente, afiam seus bicos nas pedras, mas a estória do renovo da águia diz que ela arranca o bico batendo na parede de pedra e que espera um novo bico crescer para arrancar as unhas. Ora, bicos e unhas são irrigados com sangue e possuem terminações nervosas, o que impossibilita um animal sadio de se automutilar.

A estória do renovo da água diz que a águia, quando decide não morrer aos 40 anos, arranca as penas com as unhas e a sua restauração se dá através de um processo que dura míseros 150 dias. Vale destacar que uma pena arrancada do seu folículo, se não for naturalmente durante a ‘muda’, demora no mínimo um ano para nascer e o mito do renascimento da águia diz que, após cinco meses, a águia está renascida para o seu ‘famoso’ voo de renovação, quando viverá por mais 30 anos.

 

As Escrituras

Questões da natureza à parte, ou até mesmo referências à mitologia grega, de um pássaro, a fênix, que, quando morria, entrava em autocombustão e, depois de um tempo, renascia das próprias cinzas, voltemos às Escrituras para analisar a figura da águia.

No Pentateuco, ao falar aos filhos de Israel, Deus utiliza as asas da águia para indicar que eles estavam sob a proteção de Deus:

“Vós tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre asas de águias e vos trouxe a mim” (Êx 19:4);

“Como a águia desperta a sua ninhada, move-se sobre os seus filhos, estende as suas asas, toma-os e os leva sobre as suas asas“ (Dt 32:11).

A passagem de Deuteronômio evidencia qual a ideia que a frase: ‘levei sobre asas de águia’ evidencia. Os filhos de Israel, ao serem resgatados do Egito, eram uma nação que havia acabado de alcançar a liberdade, portanto, sem experiência e sem condições de se defender, de modo que precisaram da proteção de Deus, assim como um filho necessita do cuidado do pai, ou uma ninhada necessita do cuidado da águia.

Em algumas passagens, a águia é utilizada como figura para fazer referência à rapidez, à velocidade desse predador:

“O SENHOR levantará contra ti uma nação de longe, da extremidade da terra, que voa como a águia, nação cuja língua não entenderás” (Dt 28:49; Jr 4:13; Hc 1:8);

“Saul e Jônatas, tão amados e queridos na sua vida, também na sua morte não se separaram; eram mais ligeiros do que as águias, mais fortes do que os leões” (2 Sm 1:23; Jó 9:26).

 

Subirão com asas

O profeta Isaias utiliza a figura da águia para descrever aqueles que confiam em Deus: eles renovarão as forças. O verso não diz que os que esperam em Deus se renovarão como águias, antes, que renovarão as forças, pois Deus é o que concede força ao cansado: “Dá força ao cansado e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor” (Is 40:29).

A abordagem de Isaías deixa evidente que o renovo proposto por Deus é da força e do vigor dos que confiam o que difere do equívoco de considerar que os que confiam em Deus se renovam como uma águia se renova o que poderia dar supedâneo à má ideia expressa no mito do renovo da águia.

O renovo da águia não possui comprovação cientifica e, muito menos, decorre ou fundamenta-se em alguma asserção das Escrituras. Há farto material na internet que denuncia a farsa que o mito da águia promove, mas poucos se detém a comentar o Salmo 103, verso 5.

O entendimento equivocado acerca da águia, que muitos depreendem e atribuem ao Salmo 103, verso 5, essencialmente decorre de má leitura. A má leitura e a falta de compreensão de alguns, permeia todo o verso.

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