1.II - A igreja apostólica

 

1.II - A igreja apostólica

 

    "... em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria e até os confins da terra." At 1.8

 

A. Primeiro aos Judeus

     Cristo deu prioridade à proclamação aos judeus. O Evangelho foi primeiro proclamado em Jerusalém por Pedro no dia de Pentecoste. Depois, foi levado pelos cristãos judeus a outras cidades da Judéia e de Samaria. Desse modo, a igreja foi primariamente judia e existiu dentro do judaísmo. 

     Do ano 30 a 44 aproximadamente, a igreja em Jerusalém manteve posição de liderança na comunidade cristã primitiva. O Espírito Santo teve proeminente papel na sua fundação. A manifestação sobrenatural no falar em línguas levou os judeus a declararem a maravilha das obras de Deus em sua própria língua (At 2.11). Após o ousado sermão de Pedro, três mil pessoas aceitaram a sua palavra e foram batizadas (At 2.41).

     O crescimento foi rápido. Outros foram acrescidos até chegarem a cinco mil (At 4.4). Há menção de multidões se integrando à igreja (At 5.14) e muitos judeus helenistas (At 6.1) da dispersão e até sacerdotes (At 6.7) tornaram-se membros da nova igreja.

     Naturalmente houve oposição da parte de autoridades eclesiásticas entre os judeus, que perceberam a ameaça que o cristianismo representava a suas prerrogativas como intérpretes e sacerdotes da lei. Por isso, reuniram suas forças para combatê-lo.

     A perseguição veio primeiramente do Sinédrio (organismo político-eclesiástico que supervisionava a vida civil e religiosa do Estado, com permissão romana). Esta perseguição deu à igreja o seu primeiro mártir, Estêvão. Mais tarde, foi de cunho mais político, ocasião em que Herodes matou Tiago e prendeu Pedro (At 12).

     Sem dúvida, o cristianismo primitivo promoveu uma grande mudança social em certas regiões. A Igreja de Jerusalém insistiu sobre a igualdade espiritual dos sexos e deu muita importância às mulheres na igreja. Criou-se um grupo de homens para administrar as necessidades pela beneficência. Esses foram os precursores dos diáconos. Com isto, os apóstolos ficaram completamente livres para o exercício de sua liderança espiritual. A necessidade levou à multiplicação de ofícios e oficiais. Algum tempo depois, os presbíteros passaram a integrar o corpo de oficiais.  Finalmente, o corpo de oficiais, formado de apóstolos, presbíteros e diáconos, dividia a responsabilidade de liderar a Igreja de Jerusalém.

     A natureza de sua pregação desponta no relato do surgimento do cristianismo: o Cristo crucificado e ressurreto pregado tanto a judeus como a gentios (Jo 5.22,27; At 10.42; 17.31).

"Paulo, como tinha por costume, foi ter com eles, e por três sábados discutiu com eles sobre as Escrituras, expondo e demonstrando que convinha que o Cristo padecesse e ressurgisse dentre os mortos. E este Jesus que vos anuncio, dizia ele, é o Cristo." (At 17.2,3)

     Depois da destruição do templo e da fuga da igreja judaica (cerco de Jerusalém em 70 d.C. por Tito), Jerusalém perdeu a liderança do cristianismo para outras cidades, especialmente em Antioquia.

     O centro de interesse amplia-se para incluir Judéia e Samaria nos capítulos 8 a 12 de Atos. O cristianismo foi levado a outros povos e raças. Pedro, o primeiro a pregar o Evangelho aos judeus, foi também o primeiro a levar oficialmente o Evangelho aos gentios. O eunuco etíope (evangelizado por Filipe) e Cornélio foram os primeiros gentios a terem o privilégio de receber a mensagem da graça salvadora de Cristo.

     Não demorou para que surgisse uma grande igreja em Antioquia, onde o termo "cristão", inicialmente usado com zombaria, tornou-se a designação de honra dos seguidores de Cristo. Foi em Antioquia que Paulo começou seu ministério público entre os gentios, partindo daí para suas três viagens missionárias até chegar a Roma, numa quarta viagem. A igreja em Antioquia era tão grande que socorria as demais igrejas judaicas, quando estas passavam fome. Ela foi o principal centro do cristianismo de 44-68 d.C.

 

     B. Também aos gregos

     Como nenhum outro na Igreja primitiva, Paulo entendeu o caráter universal do cristianismo e entregou-se à sua pregação aos confins do Império Romano (Rm 11.12; 15.16). Seu slogan poderia ser "O Império Romano Para Cristo". Ele não negligenciou seu próprio povo, os judeus, tanto é que procurava as sinagogas judaicas logo que chegava a uma cidade, mas proclamava o Evangelho a todos os prosélitos judeus e gentios depois.

     Poucos podiam se orgulhar de ter mais instrução na educação religiosa judaica do que Paulo (Fp 3.4-6). Cidadão de Tarso, principal cidade da Cicília (At 21.39), cidadão romano livre (At 22.28) que não tinha dúvida em usar os privilégios de sua cidadania romana para ajudá-lo em sua missão por Cristo (At 16.37; 25.11).

     O judaísmo foi seu ambiente religioso antes de sua conversão. Tarso, sua universidade e atmosfera intelectual. O Império Romano, seu espaço político.

     A situação social e moral era mais assustadora do que a política. Qualquer sociedade caracterizada pela idolatria era corrupta. Nas Escrituras, a base da verdadeira moralidade é considerada como a verdadeira lealdade a Deus. Paulo considera a depravação sexual como resultado de conceitos errôneos sobre Deus e rejeição de Sua revelação dada a todos. A depravação homossexual ("paiderastia" ou "amor aos meninos") chocava a todos os escritores cristãos. As experiências sexuais antes do casamento não eram consideradas más por muitos filósofos gregos e romanos. O adultério, entretanto, era fortemente combatido.

     Muitas sacerdotisas eram pouco mais que prostitutas templárias. A prostituição era uma instituição e profissão perfeitamente reconhecida. A prostituição organizada era ajudada pela religião organizada. Os "ritos da fertilidade", ligados às prostitutas templárias, sancionavam as perversões da sensualidade. Os poderes da procriação eram adorados através desses ritos e o sexo se tornou o grande símbolo dessa adoração.

     A pilhagem do Império criou uma classe alta de novos aristocratas que possuíam escravos e dinheiro para satisfazer seus muitos desejos legítimos e ilegítimos. Esta classe desdenhava a nova religião, mas assim mesmo alguns dela se converteram (Fp 1.13).

     A escravidão era também uma tremenda mancha no código moral. Era comum condenar prisioneiros de guerra ou povos conquistados à escravidão. Exemplo: Tito, em 70 d.C., após ter conquistado Jerusalém, escravizou 97 mil judeus. Além disso, havia negociantes profissionais de escravos.

     A crucificação era um bom exemplo de crueldade. Tito crucificou nada menos de 500 judeus por dia. Outras formas de violência organizada e oficial manchavam a imagem de Roma.

     Paulo enfrentou também a rivalidade de outros sistemas religiosos. Os romanos se dispunham a tolerar qualquer religião desde que não proibisse seus seguidores de participar no culto do Estado (culto ao imperador e a Roma). Os judeus foram isentos destes rituais, mas os cristãos não, o que ocasionou grande oposição do Estado. Certos cultos primitivos e adoração de divindades associadas a localidades, ocupações e profissões, aspectos da vida, etc, ainda existiam. Os mistérios helênicos exerciam grande atração, como o orfismo, e as religiões orientais, como o culto vindo da Ásia Menor (Frígia) a Cibele ou Mãe dos deuses e Átis, seu amante, o espírito da vegetação, que morria a cada outono e ressuscitava na primavera. Do Egito, culto a Ísis, a terra mãe, e a Osíris, seu marido irmão, espírito protetor da vegetação, que foi morto por seu irmão Sete, espírito do mau, mas Ísis o fez reviver. Na Grécia, Osíris foi chamado de serápis.   E o mais popular, era o culto à deusa Mitras, da Ásia Menor, predileta do exército romano. O rito central consistia no abate de um touro e da ingestão de seu sangue. Mitra morria no inverno e ressuscitava na primavera. Seus seguidores observavam seu nascimento a 25 de dezembro. O mitraísmo era a única religião a restringir ao sexo masculino o direito de se tornarem membros

     Cria-se que muitos homens eram filhos de deuses e mulheres humanas ou vice-versa e estes eram chamados de heróis por seus grandes feitos.

     Em geral, a moral dos deuses era semelhante à dos homens que os tinham imaginado. Estavam sujeitos aos mesmos afetos, ódios, contendas, violências e paixões e cometiam os mesmos pecados que seus criadores.

     Hades era grandemente estimado. Conforme a mitologia grega, quando alguém morria, a alma ou sombra da pessoa era levada por Hermes para o submundo onde Hades dominava. Carom, o barqueiro, fazia as almas atravessarem o rio Estix, mas somente se pagassem determinada quantia. Muitos gregos eram sepultados com uma moeda na boca para "essa despesa".

     Os mistérios eleusianos (Elêusis - costa sul da Ática) vinculavam-se ao deus Hades e baseavam-se no ciclo das estações. O ensino central dizia que a deusa Demeter (Demétria) morrera e ressuscitara e assim poderia conceder imortalidade aos que a cultuassem.

     Os intelectuais aceitavam os sistemas filosóficos como o estoicismo e epicurismo, que sugeriam a contemplação filosófica como o caminho da salvação. Mas nenhum deles satisfazia às questões fundamentais e urgentes que passavam pela mente: sentimento de culpa pelo pecado, desejo de purificação desse pecado e um grande interesse na vida futura, após a morte.

     Paulo teve que enfrentar este confuso cenário religioso com o simples Evangelho redentor da morte de Cristo. Sua conversão, sem dúvida um evento histórico, foi vital para seu trabalho missionário, seus ensinos, escritos e teologia.

     Paulo, ao mesmo tempo sábio e dedicado missionário, sempre começava seu trabalho numa nova área na cidade estrategicamente localizada e usava os convertidos para levar a mensagem às cidades e regiões adjacentes.

     Começava seu trabalho nos centros romanos estratégicos, indo primeiro às sinagogas. Quando surgia oposição, ele partia para uma proclamação aos gentios em qualquer lugar onde achasse adequado. Depois de fundar uma igreja, Paulo a organizava com presbíteros e diáconos, para que o trabalho continuasse após sua partida. Procurou alcançar regiões não alcançadas a fim de que fosse pioneiro do Evangelho (Rm 15.20).

     Paulo adotava a prática de se manter em contato com a situação local em cada igreja através de visitadores das mesmas (I Co 1.11) ou através de relatos de agentes que enviava a visitar as igrejas (I Ts 3.6) ou ele mesmo escrevia cartas para tratar dos problemas particulares de cada uma. Os princípios que adotou para aquelas igrejas são relevantes para a igreja dos tempos modernos.

     O sistema ético de Paulo desenvolve-se a partir da união pessoal do crente com Cristo pela fé. Esta relação vertical deve ser completada com uma relação horizontal na qual o crente se une aos irmãos pelo amor cristão expresso numa vida moral (I Jo 3.23; Ef 1.15). Não era o legalismo do judaísmo, nem o racionalismo do estoicismo, mas o amor cristão a fonte da conduta cristã. Esta vida de amor envolve separação da corrupção pessoal que vem da adoração de ídolos, da impureza sexual ou da embriaguez - os grandes pecados do paganismo.

     Paulo lutou pela pureza da doutrina cristã de seu tempo. Nenhuma interpretação falha da pessoa ou da obra de Cristo escaparam a sua condenação.

     O problema do significado e dos meios da salvação foi a primeira dificuldade que enfrentou durante o Concílio de Jerusalém. A igreja, nascida dentro do judaísmo, desenvolvera dois grupos: um grupo, reacionário de cristãos judeus farisaicos, cria que judeus e gentios deviam observar a lei de Moisés para serem salvos. Na verdade, eles queriam tornar o cristianismo uma seita particular do judaísmo. Outro grupo entendia que a salvação vinha somente pela fé em Cristo e que a oferta da salvação era para todos e não pelas obras.

     A liberação do cristianismo da observância da lei cerimonial judaica foi o resultado de maior alcance do Concílio de Jerusalém (49 ou 50 A.D.). A nova lei do amor tornou-se, então, a base da ética cristã. Os cristãos judeus que haviam sido salvos pela fé estavam livres para observar a lei de Moisés como tarefa voluntária caso quisessem.

     Paulo enfrentou também o desafio do racionalismo grego quando lutou contra o gnosticismo na Igreja. Alguns procuravam intelectualizar os meios de salvação, assim como os judeus tinha tentado legalizá-los. De acordo com os gnósticos, a salvação deveria ser alcançada por atos ascéticos de negação dos desejos do corpo material e mau (Cl 2.14-17,20-23) e por uma "gnosis" especial ou conhecimento acessível somente à elite entre os cristãos. A fé, então, era secundária.

     Paulo respondeu a esta heresia pela afirmação da total suficiência de Cristo como Criador e Redentor (Cl 1.13-20). Cristo é a plena manifestação de Deus e não alguma forma inferior a Deus (Cl 1.19; 2.9).

    

   C. A Vida, o Culto e o Governo da Igreja Primitiva

     A Igreja insistia na separação das práticas pagãs da sociedade romana, mas não insistiu em separar-se dos vizinhos pagãos nas relações sociais que não a prejudicassem. Os cristãos estavam prontos a cumprir suas obrigações cívicas de obediência e respeito às autoridades constituídas, pagamento de taxas, além das orações pelas autoridades. Eram excelentes cidadãos desde que não fossem instados a violar os preceitos de Deus.

     O cristão devia seguir os princípios de não fazer nada que prejudicasse o corpo do qual Cristo era o Senhor, ou que os enfraquecesse ou que não glorificassem a Deus (I Co 6.12; 8.13, 10.24; 6.20; 10.31). Estes princípios proibiam a frequência a teatros, estádios, jogos ou templos pagãos.

     Quanto ao culto, Paulo exortava a conduzir sua adoração de uma forma decente e ordeira (I Co 14.40). O verdadeiro culto estava no âmbito do espírito (Jo 4.24). Os cristãos se reuniam em casa, no templo, nos auditórios públicos de escolas (At 12.12; Rm 16.5,23; Cl 4.15; At 5.12; 19.9) e nas sinagogas até quando foram permitidos (At 14.1,3; 17.11).

     Dois cultos eram realizados no primeiro dia da semana, dia da ressurreição de Cristo. O culto da manhã incluía a leitura da Bíblia, exortação pelo presbítero principal, orações e cânticos. A festa do amor ou "ágape" precedia a Ceia no culto da noite. No fim do primeiro século, a festa do amor tinha praticamente desaparecido e a Ceia passou a ser celebrada de manhã.

     Por fim, recolhiam-se as ofertas para ajudar as viúvas e os órfãos, aos doentes, aos prisioneiros e aos estrangeiros (I Co 16.1-2). O batismo e a ceia eram as duas ordenanças da igreja e somente os batizados participavam da ceia.

     A origem da administração eclesiástica deve ser creditada a Cristo, ao escolher 12 apóstolos que seriam os líderes da nova igreja. Havia uma chamada interna pelo Espírito Santo para o ofício, uma chamada externa pelo voto democrático da igreja (At 6.3,5) e a ordenação ao ofício pelos apóstolos. Não havia mais uma classe especial de sacerdotes, porque tanto os oficiais quanto os membros da igreja eram sacerdotes com o direito de acesso a Deus através de Cristo (Ef 2.18).

     Os oficiais carismáticos, responsáveis pela preservação e proclamação da verdade do Evangelho, foram designados por Paulo entre quatro ou cinco categorias: apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e/ou mestres. Muitos pensam que pastor e mestre sejam designações para a mesma pessoa. Os profetas exerceram tanto a função de proclamar o Evangelho (At 13.1; 15.32), como de predizer o futuro (At 11.28; 21.10-14).

     Os oficiais administrativos, escolhidos democraticamente, exerciam sua autoridade na igreja local em questões administrativas e não na Igreja de Cristo como um todo. Eram eles os presbíteros ou bispos e diáconos (estes subordinados àqueles). Para o trabalho de diaconia, as mulheres eram requisitadas também.

 


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