1.III - A igreja antiga - 100 a 313 A.D.
Neste período, a igreja alcançou um grande desenvolvimento. O Evangelho alcançou povos das mais variadas línguas que não faziam parte da cultura greco-romana. O cristianismo introduziu-se em todas as classes sociais. Eram numerosos os cristãos que faziam parte da corte imperial, entre os soldados e outros elementos do governo. Muitos homens de alta cultura tinham se tornado discípulos e usaram sua influência para desenvolver a fé cristã, contudo a classe mais numerosa era a de pessoas humildes.
Esse crescimento foi devido à contribuição de muitos cristãos imbuídos em espalhar o Evangelho até os confins da terra. Isto se deu, especialmente, pelo seu grande amor fraternal, pelo amor aos descrentes e pela fidelidade e coragem nas perseguições.
A. As perseguições
Desde o início, a fé cristã foi palmilhada por
lutas, perseguições e dor. O próprio Senhor a quem os cristãos serviam havia
morrido na cruz, condenado como um malfeitor. Estêvão foi morto, apedrejado; o
apóstolo Tiago também sofreu uma sorte semelhante. E a partir de então até
nossos dias, sempre existiram pessoas colocadas em situações nas quais tiveram
de selar o testemunho com seu sangue.
No período de 100 a 313 A.D., a igreja
enfrentou uma terrível perseguição movida pelo Império Romano. Não temos ideia
muito exata quanto ao número, duração e intensidade das perseguições que a
igreja sofreu. Antes de 250 d.C., a perseguição foi predominantemente local,
esporádica e geralmente mais um produto da ação popular do que resultado de uma
política definida. Após esta data, a perseguição se tornou uma estratégia
consciente do governo imperial romano.
1. Causas da Perseguição
a. Política
Enquanto era vista pelas autoridades como parte
do judaísmo, uma seita legal, a igreja sofreu pouco. Mas logo que viram que era
diferente do judaísmo e o classificaram como
seita e sociedade secreta, o cristianismo recebeu a interdição do Estado
romano, que não admitia nenhum rival e obediência por parte de seus súditos.
O governo permitia a livre prática de muitas
religiões, mas o cristianismo era diferente. Os crentes prestavam obediência e
lealdade supremas ao seu Salvador. E, para os romanos, o Estado era a suprema
força e a religião, uma forma de patriotismo. Os deuses reconhecidos pelo
Estado eram cultuados com o objetivo de beneficiarem o governo e a nação.
Qualquer adepto de outra religião estava disposto a prestar tributo aos deuses
nacionais ao mesmo tempo em que realizava o seu próprio culto. Mas, neste particular,
o cristianismo era exclusivista, isto é, era a religião de um só Deus e
submisso a um só Senhor. Por isso mesmo não prestava culto a outra divindade
que não fosse o Senhor Jesus Cristo. Além disso, os cristãos declaravam a
inutilidade dos deuses adorados pelo povo do Império e pelos próprios
imperadores. De modo algum adoravam aos deuses romanos, apesar das ordens do
Estado. Jamais colocariam César em igual posição ou acima de Cristo. Diante
disso, podemos entender por que, aos olhos do governo romano, o cristianismo
parecia um ensino desleal e perigoso
para o Estado e a sociedade. Por isso os cristãos foram acusados de
anarquistas, sacrílegos, ateus e traidores. O governo hostilizava o
cristianismo, porque o considerava uma ameaça ao Estado. As autoridades usavam
de todos os meios para pôr à prova a lealdade dos cristãos, os quais eram
trazidos a juízo e obrigados a participar das cerimônias da religião do Estado,
da adoração das estátuas de Roma e dos imperadores. Quando os cristãos se
recuravam a prestar esse culto, as autoridades os consideravam traidores. Era
bastante alguém confessar: "Sou cristão", para tal testemunho
constituir desobediência ao Estado.
Assim, os cristãos foram perseguidos pelo
Império Romano não por não adorarem a Cristo, mas somente a Cristo.
Muitas práticas cristãs pareciam confirmar as
suspeitas de deslealdade dos cristãos ao Estado. Eles realizavam a maioria de
suas reuniões à noite e em segredo. Para a autoridade romana, isso deixava
claro que se preparava uma conspiração contra a segurança do Estado.
b. Religiosa
Além da causa política básica para a
perseguição, havia uma razão religiosa. A religião romana era mecânica e
externa. Tinha seus altares, ídolos, processionais, ritos e práticas que o povo
devia ver e obedecer. Os romanos não se opunham a acrescentar um novo ídolo ao
grupo do Panteon, desde que a divindade se subordinasse às pretensões de
primazia feitas pela religião do Estado.
Os cristãos não tinham ídolos e no seu culto
nada havia para ser visto. Seu culto era espiritual e interno. Quando oravam,
suas orações não eram dirigidas a nenhum objeto visível. Para as autoridades
romanas, acostumadas às manifestações materiais simbólicas de seu deus, isto
nada mais era que ateísmo.
O sigilo dos encontros dos cristãos também
suscitou ataques morais contra eles. O vulgo popular os acusou de incesto, de
canibalismo e práticas desumanas, entendendo de forma equivocada o significado
de "comer e beber os elementos representativos do corpo e do sangue de
Cristo". O vulgo popular logo depreendeu que os cristãos matavam e comiam
crianças em sacrifícios ao seu deus. Eles criam que os cristãos escondiam um
menino recém-nascido dentro de um pão, e colocavam diante de uma pessoa que desejava
ser cristã. Os cristãos então ordenavam que se cortasse o pão e logo devoravam
o corpo ainda palpitante do menino. O neófito que se havia feito participar de
tal crime ficava, assim, comprometido a guardar segredo.
Pelo fato de os cristãos se chamarem de irmãos
e irmãs, foram tecendo rumores cada vez mais exagerados e muitos chegaram a
crer que os cristãos se casavam com suas próprias irmãs e se reuniam para
celebrar uma orgia em que se davam uniões incestuosas. Segundo esses rumores,
os cristãos comiam e bebiam até se embriagarem e então apagavam as luzes e
davam corda às suas paixões. Como resultado, muitos se uniam sexualmente a seus
parentes mais próximos. Tudo isso repugnava a mente cultural romana. Pouca diferença
fazia se esses boatos eram verdadeiros ou não.
c. Social
Problemas sociais também contribuíram para o
início da perseguição à igreja. Os cristãos que exerciam grande atrativo sobre
as classes pobres e escravas eram odiados pelos líderes aristocráticos
influentes da sociedade. Estes líderes os viam com desprezo, mas temiam sua
influência sobre as classes pobres. Os cristãos defendiam a igualdade entre
todos os homens, enquanto que o paganismo insistia na estrutura aristocrática
da sociedade em que uns poucos privilegiados eram servidos pelos pobres e
escravos. Os cristãos se separavam dos ajuntamentos pagãos dos templos, teatros
e lugares de recreação. Este inconformismo com os modelos sociais vigentes lhes
trouxe uma antipatia jamais conhecida por qualquer grupo inconformista da
história. A pureza de sua vida era uma reprovação silenciosa às vidas
escandalosas das pessoas de classe alta. O inconformismo dos cristãos diante
dos padrões vigentes levou os pagãos a pensarem que eles eram um perigo para a
sociedade e os caracterizavam como inimigos da raça humana, capazes de incitar
as massas à revolta.
d. Econômica
Paulo enfrentou oposição dos fabricantes de
ídolos em Éfeso, que estavam mais preocupados com o perigo que representava o
cristianismo para seus negócios que com a ameaça possível ao culto de Diana (At
19.27). Esse episódio é uma chave para a compreensão da reação daqueles cujos
interesses pessoais do "ganha pão" estavam ameaçados pelo avanço do
cristianismo. Sacerdotes, fabricantes de ídolos, videntes, pintores, arquitetos
e escultores dificilmente se entusiasmariam com uma religião que ameaçasse seus
meios de sustento.
No ano 250 d.C., Roma entrou nos 1000 anos de
sua fundação. Nessa época, uma fome e agitação civil assolavam o império; a
opinião pública atribuía estes problemas à presença do cristianismo e o
consequente abandono dos deuses. A perseguição era a forma lógica de superar os
problemas.
Tudo isso cooperou para justificar a perseguição aos cristãos na mente das autoridades. A perseguição sucedeu como parte natural da política imperial de preservar a integridade do Estado Romano. Ao cristianismo não se permitia direito legal de existência. Mártires e apologistas foram suas respostas ao povo, ao Estado e aos escritores pagãos.
2. As primeiras perseguições
Nesse primeiro período de perseguição sofrida
pela igreja, não poucos dos seus líderes, desde Estevão, sofreram o mais cruel
tipo de morte.
Segundo a tradição, Mateus sofreu martírio pela
espada na Etiópia. Marcos foi arrastado por um animal pelas ruas de Alexandria
até morrer. Lucas foi enforcado em uma oliveira na Grécia. João foi lançado
numa caldeira de óleo fervente, desterrado para a ilha de Patmos, vindo a
morrer em Éfeso. Tiago, irmão de João, foi decapitado em Jerusalém. Tiago, o
menor, foi lançado do templo abaixo, mas, ao verificarem que ainda vivia,
mataram-no a pauladas. Felipe foi
enforcado em Hierápolis, na Frígia. De Bartolomeu tiraram a pele por ordem de
um rei bárbaro. Tomé foi amarrado a uma cruz. André foi atravessado por uma
lança. Judas foi morto a flechadas. Simão, o zelote, foi crucificado na Pérsia.
Matias foi primeiramente apedrejado, depois decapitado. Pedro foi crucificado
de cabeça para baixo. Paulo foi decapitado por ordem do imperador.
3. Maiores perseguições
As grandes perseguições sofridas pelo cristianismo nos três primeiros séculos de sua história, principalmente a partir do ano 64, foram movidas pelas autoridades do Império Romano. A igreja foi alvo de maiores perseguições no período que vai de Nero a Diocleciano (64-305).
a. NERO: No ano 64 A.D., ocorreu o grande incêndio que destruiu Roma, capital do império. O povo suspeitava que o próprio Nero tivesse feito isso. No entanto, para desviar atenções voltadas contra si mesmo, Nero acusou os cristãos de haverem provocado o incêndio e por isso foram punidos duramente. Milhares deles foram mortos da maneira mais cruel, entre eles o apóstolo Paulo. Tácito, historiador, diz em sua narração: "... outros, porém, foram queimados depois do por do sol, para assim iluminar as trevas... parecia que estavam sofrendo a morte não para beneficiar o Estado, mas para satisfazer a crueldade de um indivíduo." (ANAIS, XV).
b. DOMICIANO: 96 A.D. Perseguiu-os e matou muitos deles sob a acusação de que eram ateus por se recusarem a participar do culto ao imperador. Essa perseguição foi breve, porém violenta ao extremo. Cristãos aos milhares foram mortos em Roma e na Itália, entre eles, Flávio Clemente, primo do próprio imperador. Sua esposa Flávia Domitila foi exilada. No seu reinado, o apóstolo João foi exilado para a ilha de Patmos.
c. TRAJANO: 98 - 117 A.D. Foi um dos melhores imperadores, mas manteve as leis imperiais e o cristianismo como religião ilegal, considerada como uma sociedade secreta. Não molestou os cristãos, mas, quando eram acusados, sofriam sérios castigos. Entre os que morreram durante o seu governo, estavam Simão, irmão de Jesus, bispo de Jerusalém, o qual foi crucificado no ano 107, e Inácio, segundo bispo de Antioquia, o qual foi levado preso para Roma e lançado vivo às feras no ano 110.
d. PLÍNIO: Enviado pelo imperador à Ásia Menor para castigar os cristãos que se recusassem a negar a fé em Cristo. Escreveu ao imperador Trajano: "Eles afirmavam que o seu crime e o seu erro resumia-se nisto: costumavam reunir-se num dia estabelecido antes de raiar o dia e cantavam, revezando-se, um hino a Cristo, como a um Deus e obrigavam-se a não roubar, nem furtar, nem adulterar, nunca faltar à palavra, nunca ser desleal, ainda que solicitados. Depois de fazerem isto, a praxe era separarem-se e depois reunirem-se novamente para uma refeição comum".
e. ADRIANO: 117- 138 A.D. Perseguiu os cristãos, mas com moderação e brandura. Apesar das perseguições nesse tempo, o cristianismo alcançou marcante progresso em número de membros, riqueza, saber e influência na sociedade.
f. ANTONIO, O PIO: 138- 161 A.D. De certo modo, favoreceu o cristianismo, mas sentiu que devia manter a lei da ilegalidade de um culto que não reconhecia o valor dos deuses do império. Houve, entretanto, muitos mártires nesse período, entre eles, Policarpo, discípulo do apóstolo João, e um dos mais famosos pais da igreja.
g. MARCO AURÉLIO: 161- 180 A.D. Considerava a manutenção da religião do império uma necessidade política. Estimulou a perseguição aos cristãos. Foi cruel e bárbaro e o mais sanguinário depois de Nero. Milhares de cristãos foram decapitados e lançados às feras, entre eles, Justino, um dos mais famosos apologistas da Igreja. Sua ferocidade foi demasiada no sul da Gália. Diz-se que a tortura que os cristãos sofriam sem qualquer demonstração de medo era quase inacreditável. Entre os mártires desta época, destaca-se Blandina, uma mulher frágil por quem temiam seus irmãos, mas muito resistente à tortura. Blandina foi pendurada num madeiro em meio a outros mártires levados ao circo e dali os encorajava. Como as feras não a atacaram, foi levada novamente ao cárcere. Por fim, nesse mesmo dia, foi torturada em público de diversas maneiras. Primeiro, a açoitaram, depois, foi mordida por feras, em seguida, fizeram-na assentar-se sobre ferro quente; colocaram-na numa rede e fizeram com que um touro bravio a chifrasse. Como em meio de tais tormentos Blandina seguia firme na sua fé, finalmente as autoridades ordenaram que fosse degolada.
h. SÉTIMO SEVERO: 193-211 A.D. Foi muito pesada a perseguição durante esse governo. Os cristãos do Egito e norte da África foram os que mais sofreram. Em Alexandria, muitos mártires eram diariamente queimados, crucificados ou degolados, entre os quais Leônidas, pai de Orígenes. Em Cartago, na África, Perpétua, senhora nobre e sua filha, Felicidade, foram estraçalhadas pelas feras.
i. MAXIMINO: 235- 238 A.D. Nesse período, muitos líderes destacados morreram. Orígenes só escapou porque conseguiu esconder-se em tempo.
j. DÉCIO: 249-251 A.D. Esse imperador decidiu resolutamente destruir o cristianismo. Sua perseguição estendeu-se por todo o império e foi muito violento. Multidões pereceram sob as mais cruéis torturas em Roma, norte da África, Egito e Ásia Menor.
k. VALERIANO: 253-260 A.D. Revelou-se mais severo que Décio. Nesse tempo, muitos líderes cristãos ilustres foram executados, entre eles, Cipriano, bispo de Cartago.
l. DIOCLECIANO: 284 - 305 A.D. Sob esse governo, aconteceu a última perseguição imperial e a mais severa de todas. Estendeu-se a todo o império. Durante 10 anos, os cristãos foram caçados como feras, pelas cavernas e florestas, para serem queimados, lançados às feras e mortos pelos métodos mais cruéis. Foi um esforço diabólico determinado a abolir o cristianismo da face da terra.
Em 311 A.D., apareceu um Edito de Tolerância,
redigido por Galério, imperador no Oriente, no qual se reconhecia a insanidade
da perseguição aos cristãos. Mais tarde (312), o Edito de Milão, de Constantino
e Licínio, imperadores do Ocidente e do Oriente, estabelecia a liberdade
religiosa para todos. Tal edito foi destinado a pôr fim à perseguição ao
cristianismo.
4. Consequências da perseguição
O rápido avanço do cristianismo, mesmo durante
os períodos de terríveis perseguições, provou que realmente o sangue dos
mártires era a semente da igreja (Tertuliano).
O cristianismo chegava a cada província de
maneira humilde e obscura, mas logo crescia, tornava-se forte e acabava se
impondo como organismo vivo em todos os segmentos da vastidão do império. Em
313 A.D., já era a religião dominante na Ásia e na longínqua Armênia. A Igreja
se constituía de uma influência civilizadora muito poderosa em Antioquia, na
Síria, na costa da Grécia e Macedônia, na Itália, no sul da Gália e na Espanha.
Um dos meios de crescimento da igreja nessa
época foram os diversos escritores literários do cristianismo chamados de
apologistas. Dentre os de maior expressão, podemos destacar Justino, Orígenes e
Tertuliano.
Esses apologistas eram defensores intelectuais
do cristianismo. Eles tinham a tarefa de defender a fé, diante dos ataques
intelectuais, das calúnias, injúrias e falsos rumores destinados ao
cristianismo.
É certo que as defesas apresentadas por esses
apologistas não conseguiram influenciar a opinião pagã da época, como também
não conseguiram demover os governantes de suas decisões de continuarem
perseguindo a igreja. Entretanto, suas obras eram tidas com justiça em alta
conta nos círculos cristãos. Elas contribuíram sobremaneira para encorajar os
cristãos a permanecer na luta pela causa do cristianismo.
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