A Bíblia Como Base Para a Teologia

 

A Bíblia Como Base Para a Teologia

 


Como a Bíblia será nosso livro texto mais imediato, conforme estudos exegéticos de várias passagens, certos comentários iniciais se fazem necessários. Grande parte das seguintes anotações provêm da apostila do mesmo autor com título Teologia das Narrativas. Estas anotações tem sido em pouco modificadas para inclusão no presente documento. Servem de um guia para o tratamento teológico do texto bíblico, em sentido de uma hermenêutica apropriada.

O processo adequado para a leitura e o estudo do texto bíblico é de certa forma bem complexa, mas o essencial é realmente ler o texto bíblico em sua integridade muitas vezes.

Ajudas hermenêuticas e fatos referentes à história, línguas, e contextos sociais ajudam a apontar o leitor na direção certa para fazer uma boa exegese. Nada disso valerá a pena, portanto, se o leitor omitir uma leitura cuidadosa do próprio texto bíblico. No final das contas, o leitor tem a responsabilidade de averiguar todas as informações passadas à luz do próprio texto bíblico. No campo da teologia nada é diferente. Deve-se ouvir e ler o que dizem os teólogos, mas logo é necessário trazer tudo de volta frente à leitura do texto bíblico. A Bíblia deve ser tanto o ponto de partida do exercício teológico, como também o ponto de retorno para verificar as conclusões obtidas.

Devidamente, Grudem trata de que a teologia sistemática se aproveita do estudo da teologia do Antigo Testamento, da teologia do Novo Testamento e da teologia bíblica, conseqüentemente tentando sistematizar o conteúdo detalhado a partir dessas disciplinas. Existe aqui, portanto, uma preocupação para assentar bem firme algumas considerações referentes a estas bases disciplinares na abordagem teológica da sistemática. É expressamente necessário lembrar que o esforço da teologia sistemática deve depender do estudo criterioso do texto bíblico, aproveitando bem as investigações exegéticas feitas sobre o texto bíblico. É nesses termos, portanto, que se oferece aqui as seguintes colocações introdutórias em sentido de montar ou definir o guia hermenêutico a ser estabelecido e proposto.

É esta proposta hermenêutica que servirá de base para o esforço teológico decorrente. Espera-se chegar a ler o texto bíblico de acordo com as suas próprias normas, sem forçá-la a se encaixar dentro de um padrão pré-estabelecido. Esse esforço, porém, deve ser avaliado em todo ponto, pois havendo falhas em qualquer etapa da investigação, o resultado final refletirá essas eventuais falhas metodológicas nas suas conclusões.

 

Ênfase Teológica do Texto Bíblico:

Ao olhar para a questão do uso da Bíblia na teologia, deve-se lembrar que o Antigo Testamento é indispensável para a teologia, especialmente considerando a sua função de assentar o fundamento teológico dos autores do Novo Testamento. O Antigo Testamento era a Bíblia para Jesus e os seus discípulos. Comumente citavam o Antigo Testamento para fornecer base para seus posicionamentos teológicos. Como destaque, lembramos que livro de Apocalipse tem mais referências e alusões ao Antigo Testamento do que contém versículos. Sem um estudo cuidadoso do Antigo Testamento, muitas partes do Novo Testamento se tornam simplesmente incompreensíveis. Jesus reivindica ter vindo expressamente não para abolir a lei, mas para cumpri-la. A crítica maior de Jesus lançado aos fariseus e saduceus não tinha a ver com a Torá (apelação dos judeus para o Pentateuco, comumente traduzido como “lei”), mas tinha a ver com as suas tradições referentes à mesma. Estas “tradições dos anciãos” vinham anulando a Torá, conforme a perspectiva de Jesus. Em resposta, Jesus dá uma nova ênfase e força à Torá. Logo a instrução da lei é revigorada no ministério de Jesus e ganha uma abrangência maior. É proveitoso lembrar, porém, que a lei por si é forçosamente declarada como não sendo salvífica.

Melhor tradução do termo hebraico “Torá” (hr;/T) seria realmente “instrução”, não “lei”, pois a Torá é a instrução de Deus para que o homem conheça como deveria de viver. Desde Gênesis, o Antigo Testamento vem reivindicando que a salvação é pela fé mediante a graça—já desde os dias de Abrãao. Pela Torá é dada a manifestação de como viver na condição de povo de YHWH.

Pode-se afirmar que “a religião do Antigo Testamento como um todo firma-se na fé na graça divina”. “Será que esta história bíblica registrada pode ser a fonte de significado e unificação teológicos?. “A unidade [veterotestamentária] é de uma fé contínua de que YHWH (hwhy) é o Deus de Israel, que sua personalidade é tão real e viva como a do homem, que o relacionamento entre a personalidade corporativa de Israel e a Pessoa Divina é moral, e que nenhuma outra divindade tem qualquer valor”.

Kaiser afirma que é preciso fazer “a exegese do texto individual à luz de uma teologia total do cânon”, porém para fazer isso é preciso primeiramente “identificar um padrão normativo”. Identificar uma teologia total do cânon é um trabalho no mínimo difícil em extremo. Tem sido alegado até, que uma teologia nem é apresentada no cânon do Antigo Testamento, apenas idéias religiosas isoladas, porém não sistematizadas. Assim uma teologia abrangente especificada seria o produto de uma sistematização externa ao texto.

Por outro ângulo de estudo sistemático do Antigo Testamento, poderia-se apontar para o propósito básico das narrativas, sendo este em tese a identificação e vontade de YHWH—Aquele que chamou o mundo para existir, formou a humanidade, e dentro dessa humanidade um povo particular, por intermédio do qual procura revelar-se à humanidade por completo.

Assim também, pergunta-se referente à própria necessidade de uma sistematização temática para teologizar o texto do Antigo Testamento, ao invés de empregar a estratégia da própria Bíblia, que organiza sua apresentação de acordo com os “grandes atos reveladores de Deus”, registrados para apreciação e reflexão teológica nas narrativas20. Desta forma, começa-se a perceber elementos de apreciação teológica em comum entre narrativas, ainda que não um “elo sistematizador” ao padrão do ideal de Kaiser. É de lembrar que qualquer esforço teológico sistematizador sempre encontrará limites para sua formulação, pois o homem não pode conter o infinito por razão dos seus próprios limites. A teologia depende da revelação divina outorgada à humanidade para sua redenção, quer seja teologia vetero- ou neotestamentária.

“A religião do Antigo Testamento é, a seu modo, uma religião de redenção tanto quanto a do Novo Testamento”. A religião de Israel “descansava numa decisão voluntária que estabelecia uma relação ética entre o povo e seu Deus por todo o tempo”. Tal incluia a vivência ética e moral do povo entre si. Livros como Provérbios e Eclesiastes têm como objetivo principal aplicar a moralidade e a justiça apresentada ao cotidiano prático, possibilitando o fiel a viver segundo a instrução do criador. “Foi esta intensidade moral, então, que mais do que qualquer outra coisa, ergueu a religião de Israel acima de todos os seus contemporâneos, e lhe deu o poder para assimilar contribuições estrangeiras, sem a perda de sua força e continuidade natural”.

Em contraste aos povos ao seu redor, apenas no culto hebreu existia “o conceito de que todo o ritual do sacrifício permanece na circunferência da religião”. Para o hebreu, os rituais cúlticos expressos supremamente no ritual sacrifical “contém em si apenas o significado de um símbolo”. Nem todos de Israel compartilhavam deste conceito, porém a idéia era tida pelos conhecedores de Deus entre o povo—coisa que noutras partes e noutros povos não existia por razão de seu desconhecimento d’Ele. 

Nas narrativas bíblicas identifica-se a YHWH, o Deus de Israel, como sendo “o agente num evento histórico, intimamente afetando o futuro de Israel”—revelado e identificado não por uma elaboração proposicional sistemática, mas através do seu agir entre o povo25. É esta identificação dos feitos de YHWH nos eventos relatados que forma algo da essência da inspiração do texto, não o feito do texto relatar os acontecimentos descritos. As narrativas interpretam a história da intervenção de YHWH na vida do seu povo. É esta interpretação dos acontecimentos que tanto importa para o leitor do texto, pois formam a impressão teológica canônica referente à identidade e às intenções de YHWH.

Pressupõe-se a existência de Deus no mundo dos antigos hebreus e seus povos vizinhos. A questão é a identidade desse Deus, YHWH em particular. “Assim o israelita chega à interpretação da história, e, eventualmente, da natureza, com uma fé axiomática27 em YHWH.

Quando ele descobriu, como comumente fazia, que a sua idéia do caráter e da atitude de YHWH não explicava adequadamente o que acontecia, ele tinha que revisar os conteúdos da própria idéia, assim dando um passo para a frente no desenvolvimento religioso”, não que essa revisão tenha sido feita a sós. Essa tal “evolução” ou reformulação teológica não é nem foi uma processo aleatório sem direcionamento. Em nada é um processo desvinculado à ação divina. É o fruto da revelação de YHWH referente à sua própria identidade e ação no mundo.

Os portavozes de YHWH anunciaram, então, a mensagem recebida aos poucos por revelação do Criador. Assim anunciavam através de suas narrativas o que vinham aprendendo do caráter de YHWH, mesmo sendo sua compreensão do Revelador limitada. A criatura simplesmente não pode compreender plenamente o Criador, sendo limitada por questão de sua própria finitude e incapacidade. Mesmo que o homem é limitado, permanece que é o caráter de YHWH que brilha através das narrativas em contraste ao caráter dos “deuses” dos povos vizinhos30. Aos poucos YHWH vinha se revelando mais e mais claramente através dos seus profetas, mostrando-se ser ético, pedindo muito além de meros sacrifícios uma retidão moral, levando o povo a aceitar que os elohim (!yhla), que o profeta chega a afirmar serem nada mais do que madeira31 não “chegavam aos pés” de YHWH.


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