É comum em nossos dias abordarmos os mais
variados temas e assuntos – laicos, eclesiásticos, escriturísticos, etc. –
tendo uma idéia conceitual retirada daquilo que se chama de “senso comum”. Não
poucas vezes somos traídos por este simplismo conceitual. Desta forma abordaremos
inicialmente conceitos de “evangelho” e “sinótico” para uma correta colocação destes
mesmos termos.
2.1 - Evangelho
A palavra “evangelho” não é um termo exclusivo
do Novo Testamento e já aparece no Antigo Testamento e também no mundo grego.
2.1.1 - No Antigo Testamento (Primeira
Aliança)
No Antigo Testamento temos dois destaques
importantes para falarmos da palavra “evangelho”:
A.) Aparece nos Livros que chamamos de
Históricos – Josué (Js); Juízes (Jz); 1º e 2º Reis(1Rs e 2 Rs) e 1º e 2º Samuel
(1 Sm e 2 Sm) – e fala sobre boa notícia sendo a vitória sobre os inimigos.
Desta forma já denota sempre conotação positiva, nunca negativa.
B.) Profeta Isaías: No Livro do Profeta Isaías
a palavra evangelho refere-se a salvação futura, que é sinônimo da vinda do
futuro Messias. Esta idéia de boa notícia aparece a partir do capítulo 40 e
segue até o final do Livro no capítulo 66.
Por que a palavra evangelho – boa notícia –
aparece só após o capítulo 40?
Para responder esta questão é necessário saber
que o do Livro do Profeta Isaías está dividido em três partes:
a) Primeira Parte: Is 1 – 40; estes capítulos
correspondem ao período em que o
profeta Isaías viveu e atuou; corresponde ao
século VIII a.C..
b) Segunda Parte: Is 41 – 55; estes capítulos
não são de Isaías, mas de um provável discípulo do profeta, ou de uma “escola”
profética com a linha de pensamento, linha teológica do profeta Isaías;
corresponde ao período do Exílio da Babilônia (aproximadamente 587 a.C. até 530
a.C.; século VI a.C.); neste bloco literário que se encontram os 4 Cânticos do
Servo Sofredor.
c) Terceira Parte: Is 56 – 66; estes escritos
correspondem à fase depois do Exílio da Babilônia.
Inicialmente o profeta Isaías tem a preocupação
de alertar o Povo Eleito – Israel e Judá – sobre os desvios que a nação estava
incorrendo, rompendo assim a Aliança que Deus havia proposto. Após a
experiência da deportação e permanência no exílio o que importa é encorajar o povo.
Portanto, a mensagem de esperança – a “boa notícia” – é que haverá dias
melhores. Isto é próprio deste tempo de exílio, um tempo de sofrimento. Neste
contexto já não se fala de julgamento, castigo, etc., mas Isaías fala da vinda
do Messias, de salvação, etc. São palavras de “boa nova” para o povo que
precisa de encorajamento:
Is 60,6: “Uma horda de camelos te inundará, os
camelinhos de Madiã e Efá; todos virão de Sabá, trazendo ouro e incenso e
proclamando os louvores de Iahweh.”
Is 61,1: “O Espírito do Senhor Iahweh está
sobre mim, porque Iahweh me ungiu;
enviou-me a anunciar a boa nova15 aos pobres, a
curar os quebrantados de coração e proclamar a liberdade aos cativos, a
libertação aos que estão presos,” Assim, diferente dos Livros Históricos supra
citados, quando a “boa nova” era sempre de vitória sobre os inimigos, em Isaías
a “boa notícia” reveste-se de um matiz religioso falando de salvação e da vinda
de um Messias.
2.1.2 - No mundo grego.
A etimologia da palavra, que tem origem grega,
nos explica: ev (eu), algo de bom, algo de bem. Evangelion: angelion
(angelion), anunciar, proclamar. Na cultura helênica não se fala de algo
futurístico, vinda de messias; não se encontra um sentido que remeta a uma
conotação religiosa, é simplesmente qualquer boa notícia, podendo ter três
possibilidades:
A) Significado de GORJETA: pequena gratificação àquele por transmitir uma notícia.
B) Significa a noticia em si, mas sempre se tratando de NOTÍCIAS BOAS.
C) Sinônimo de PROSPERIDADE, bem estar.
2.1.3 - No Novo Testamento.
Encontramos duas idéias básicas para o termo
“evangelho” no Novo Testamento:
A) Nas Cartas Paulinas: Evangelho é sempre algo
que produz nova vida; o Evangelho é uma força ativa e operante no ser humano: “Na
verdade, eu não me envergonho do evangelho: ele é força de Deus para a salvação
de todo aquele que crê, em primeiro lugar do judeu, mas também do grego. Porque
nele a justiça de Deus se revela da fé para a fé, conforme está escrito: O
justo viverá da fé.” Rm 1,16-17.
“Com efeito, ainda que tivésseis dez mil
pedagogos em Cristo, não teríeis muitos
pais, pois fui eu quem pelo Evangelho vos gerou
em Cristo Jesus.” 1 Cor 4,15.
B) No evangelho de João: O termo evangelho tem
sempre o caráter de testemunho. Este testemunho é a vida pratica do fiel, que
deve anunciar o evangelho mais pelas atitudes, pela vida, do que pela simples
palavra. Neste sentido é que no Evangelho de João, não há um relato similar aos
evangelhos sinóticos para a instituição da eucaristia, mas o escrito joanino
apresenta o relato
do lava-pés (Jo 13,1-15), sinal do serviço
mútuo que deve existir sempre na comunidade cristã.
2.1.4 - Conclusões
A) O que é evangelho?
A encarnação do Filho de Deus;
Um Deus que se encarnou;
Um Deus que veio nos visitar e morar no meio de
nós (Jo 1,14).
B) Qual o conteúdo do termo evangelho?
Deus interveio de forma definitiva;
Deus interveio através de Jesus Cristo;
Deus interveio para a salvação da humanidade;
A encarnação de Deus – Jesus Cristo – é a prova
máxima do amor de Deus pelo
gênero humano.
2.2 – Sinótico
A palavra sinótico é utilizada para se referir aos Evangelhos Segundo Marcos, Mateus e Lucas, onde se encontra grande semelhança – daí o uso deste termo grego. Mas, desde quando é utilizado tal termo para estes Evangelhos?
Benito Marconcini, em seu livro “Os Evangelhos Sinóticos – Formaçao, Redação e Teologia”, esclarece:
“O nome ‘sinótico’ foi dado aos escritos dos três primeiros evangelhos pelo pesquisador alemão J. J. Griesbach, em sua obra Synopsis evangeliorum [Sinopse dos evangelhos], publicada em Halle, em 1776. com efeito, Mateus, Marcos e Lucas têm semelhanças e diferenças, a ponto de se tornar possível imprimi-los em três colunas e com uma visão simultânea (syn – hopsis) verificar concordâncias e divergências”.
Desta forma temos uma visão conjunta dos três
evangelhos, uma visão simultânea (syn + hopsis = syn-hopsis).
2.2.1 - Sinóticos – semelhanças
Verifica-se assim que Marcos, Mateus e Lucas
têm basicamente uma mesma estrutura, cronologia e geografia.
Há grandes semelhanças e podemos destacar blocos distintos de capítulos para o início da vida pública de Jesus após o batismo, para o ministério de Jesus na Galiléia, para o itinerário que Jesus fez da Galiléia até Jerusalém e a atividade de Jesus na própria Jerusalém.
Assim observamos no quadro acima que Mateus e
Marcos dão grande destaque para a atividade de Jesus na Galiléia e que Lucas,
por sua vez, destaca a caminhada de Jesus que parte da Galiléia até chegar em
Jerusalém. A teologia lucana é voltada toda para Jerusalém.
2.2.2 - Sinóticos - diferenças
Conforme supra citado, encontram-se diferenças
em blocos semelhantes nos três evangelistas sinóticos, por exemplo:
- Os relatos da infância: Marcos não tem;
Mateus narra dentro de uma perspectiva
masculina, dando ênfase ao papel de José;
Lucas faz seu relato dentro de uma perspectiva feminina salientando a figura de Maria.
- As bem-aventuranças: Marcos não tem;
Mateus relata oito bem-aventuranças (Mt
5,1-12);
Lucas menciona apenas quatro bem-aventuranças (Lc 6,20- 23).
- Genealogia: Mateus remete até Abraão fazendo
três grupos de 14 gerações (Mt 1,1-17);
Lucas relaciona setenta e sete nomes chegando até Adão (Lc 3,20-38).
- Jesus ressuscitado: Marcos e Mateus na Galiléia ao passo que Lucas em Jerusalém.
- Parábolas da misericórdia: somente em Lucas
(Lc 15).
Devido às datas de composições de seus
evangelhos também fica patente a diferença quanto ao número de versículos que
cada evangelho sinótico contém:
- Marcos totaliza 678 versículos,
- Mateus totaliza 1.068 versículos;
- Lucas totaliza 1.149 versículos.
Quanto mais distante a data de composição de um
escrito evangélico do Jesus histórico, mais elaborado é este evangelho podendo
observar um desenvolvimento maior quanto a reflexão teológica dos
acontecimentos relatados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário