A Hermenêutica nos Séculos IV e V d.C. Se do
lado oriental a hermenêutica foi direcionada para a vertente especulativa, na
igreja ocidental a preocupação hermenêutica atingiu questões relacionadas à
prática diária dos cristãos, envolvendo a ética e estabelecendo a partir de
então o cânon como regra de fé (“regula fidei”).
Essa foi a principal preocupação dos pais
latinos nos Séculos IV e V d.C., assim chamados por escreverem em latim. Os
mais influentes teólogos dessa tendência foram Jerônimo (347-420 d.C. -
Palestina), Ticônio (400 d.C. – norte da África) e Agostinho (354-430 d.C. -
Hiponna, África). Torna-se importante estabelecer uma diferença entre os dois
mais notáveis: Jerônimo era conhecedor das línguas bíblicas, o que lhe permitiu
ser mais exegeta, produzindo trabalhos e comentários com notas históricas e
lingüísticas, culminando na formação do seu mais famoso trabalho, a Vulgata.
Agostinho, ao contrário, não conhecia o hebraico e entendia o grego com
dificuldades. Notabilizou-se, não como exegeta, mas como sistematizador de
doutrinas cristãs. Abaixo, características fundamentais da hermenêutica dos
pais latinos:
• Usavam com mais freqüência a interpretação
literal. Jerônimo, no início de sua vida eclesiológica, adotava
prioritariamente a postura alegórica alexandrina, mas influenciado por rabinos
palestinenses, converteu-se ao método literal. Agostinho, em sua interpretação
do Gênesis busca uma linha histórico-literal.
• Com base nessa idéia os pais latinos
preocuparam-se com o contexto histórico da passagem. O ambiente do autor
original com seus traços lingüisticos e culturais devia ser levado em
consideração pelo intérprete, antes de poder aplicar o texto às questões
diárias de sua época.
• Apesar da ênfase na interpretação literal
também alegorizavam o AT. Aqui há uma semelhança com os antioquenos na medida
em que consideravam a existência de um sentido oculto na passagem sem
desmerecer sua historicidade, e uma outra semelhança com os alexandrinos, no
momento em que se alegorizava quando a passagem parecia contrária a Deus ou à
moral cristã (dessa forma procedeu Agostinho em seu comentário ao pedido de
Deus para Abraão sacrificar Isac em Gn.22). Esse é o reflexo da convicção
antiga que o NT está oculto no AT e que este é iluminado por aquele.
• A preocupação com questões eclesiológicas de
caráter jurídico ou prático numa época em que a igreja cristã estava se
estabelecendo como religião oficial do império romano. A tendência aqui é a de
“fechar” uma interpretação única como sendo oficial, baseada inclusive na
tradição de intérpretes anteriores que pensavam da mesma forma que eles (isso
foi muito comum em Jerônimo). Ora, a partir dessa época, o elemento dogmático
começa a desenvolver-se na igreja. Agostinho deu grande contribuição com a
sistematização de doutrinas, tais como a da Trindade, que até hoje são
assimiladas pela cristandade tanto católica quanto protestante, com atribuição
de valor inspirativo.
Ora, do que se pode perceber das tendências
hermenêuticas dos cristãos do período patrístico, extrai-se o grande conflito
entre o literal e o simbólico, apesar de que cada extremo sempre permitia de
alguma forma a possibilidade para outra interpretação ainda que de forma
diminuta. A apropriação do AT pelos cristãos trouxe consigo grandes questões
hermenêuticas que se arrastaram nos séculos seguintes. Aliás, o apóstolo Paulo
já falava do problema da oposição entre a “letra e o espírito”, em Gl.3:6,
problema existente ainda nos dias hodiernos.
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